O imbròglio





O Imbròglio
Solange Amado

Há uma história muito difundida nos meios jurídicos, que para mim, é o retrato fiel do funcionamento político jurisdicional desse país.
Um sujeito rouba um porco de um fazendeiro. Bota o porquinho nas costas, o bichinho berrando e se contorcendo e o sujeito correndo com o produto do roubo. O dono do porquinho, despertado pelo barulho, põe a boca no mundo, chama  a polícia, os vizinhos, etc. Até que os policiais conseguem alcançar o ladrão:”Teje preso!” O sujeito, ainda segurando o porquinho se espanta: “Preso? Por que? Como? Que porco?” Em seguida começa a gritar “Ah! Meu Deus! Tira esse bicho daqui! Tira esse bicho daqui!”
Espantoso. Mas é isso. Tem dinheiro na cueca, dinheiro em malas, dinheiro indo do chiqueiro para bancos suíços. O dinheiro-porquinho anda desaparecendo a olhos vistos, e só o que ouvimos é isso: “Culpado? Eu? Tira esse bicho daqui!”
Os presídios estão cheios de gente inocente. Ninguém roubou o porquinho. Vai ver, nunca teve porquinho. Foi uma alucinação coletiva. Tem até uma teoria que diz que os policiais roubaram o porquinho e jogaram nas costas do primeiro pobre coitado que apareceu no pedaço.
A coisa vai se arrastando. E no meio desse imbróglio, o porquinho aproveita pra se escafeder. Como o produto do roubo desapareceu, ipso facto não houve roubo. Foi delírio da galera de acusadores. Delírio do fazendeiro, delirio do povo que jura ter visto o porquinho berrando no ombro do sujeito que fugia.
Vai ver ele não fugia. Estava treinando para a Corrida de São Silvestre, quando o porquinho saltou nas suas costas. Claro.
A turma de palpiteiros ajuda bastante. Vão vindo o Comitê dos Direitos Humanos, o Ibama, o Obama, o Bono Vox, o Sting e o meio de campo embola de vez.
E se querem saber, o porquinho é só um detalhe. No final das contas a coisa se resume em quem fala o quê. Anna Freud, filha do fundador da psicanálise, dizia sobre sua mãe, Martha: “Minha mãe não acredita na psicanálise. Ela acredita no meu pai”. E a coisa se resume nisso. Em quem disse e de onde disse. Estamos conversados. Ele disse. Então, tá!
Isso não é novo. O Brasil não é uma exceção. Essa cegueira, infelizmente, é a norma. Origem de inacreditáveis genocídios. Na Alemanha nazista, nos EEUU (com a questão dos negros), na União Soviética, na China, Na África do Sul, etc.
Nicole Rosen, no seu livro “Madame Freud, disse: “Temo que não haja lugar nenhum no mundo onde alguém possa acreditar estar protegido do ódio, do fanatismo, da loucura assassina”.
E o que tem isso a ver com o roubo de um porquinho? Tem tudo. Porque somos humanos. Difícil aceitar a culpa, aceitar a derrota, fazer concessões. Difícil não cair na tentação de eleger um deus terreno que nunca erra, que nunca pega o caminho errado. Porque isso seria admitir uma fragilidade impensável.
Madame Freud não precisava ter grandes dilemas existenciais. Seu marido tinha. Era surfar nas águas dele.







Maria Solange Amado Ladeira       -        25/06/2019
www.versiprosear.blogspot.com.br

Um comentário: