Qual é a sua vibe?






Qual é a sua vibe?
Solange Amado

As duas moças seguiam pela rua distraídas. Uma tinha a metade da cabeça raspada, e uma bela cabeleira na outra metade. A outra tinha pernas e braços tatuados com flores, folhas e algumas coisas intraduzíveis. E conversavam: “Cara, eu não sei fazer porra nenhuma, ela não sabe fazer porra nenhuma, mas a nossa vibe casou legal! Não sei explicar. Tipo hã? Como assim?”
Não consegui saber como era essa vibe de porra nenhuma. Elas viraram a esquina e fiquei meio no ar. Só posso imaginar que porra nenhuma seria essa.
Pego o ônibus e tomo assento ao lado de uma moça gordinha que olha pra mim e resolve que estou apta a ouvir sua história de amor e sofrimento. Marido abusador, anos e anos de perrengue e agressões, filha adolescente problemática, que virou mãe aos 15 anos.
Vou ouvindo pacientemente mantendo “La boca chiusa” como diz o italiano. E o meu silencio dá o maior ibope. Ela se entusiasma. Até que a coisa chega ao que eu chamaria de um “final feliz”. Ela se separa do marido abusador e... ó benção! Arranja um namorado “que só falta adivinhar seus desejos”. E vamos nessa toada de véu e grinalda, até que de repente, ela dá uma guinada de 180 graus: “Quer saber? Já to enjoada desse Senhor Perfeitinho. Eu queria que ele fosse mais macho, que brigasse mais comigo. Tô cansada dessa submissão. E se quer saber, nem eu entendo que porra de coisa estou querendo. Você compreende?”
Até posso manjar algo dessa vibe. Também sou assim meio histérica, mas “la mia boca continua chiusa”. Pra que entender? Não tenho a mínima vontade de saber “o que quer uma mulher” Nem Freud sacou. E mais, desconfio que eu e a gordinha somos almas gêmeas. Nossa vibe casou legal. Eu também amo e não amo, quero e não quero, vou e não vou. Se ficar muito bom, estraga. Tem de ter um espacinho para o desejo, senão minha escrita brocha. Afinal, sou apenas uma mulher. E a gordinha também. Às vezes, a gente só quer alguém que nos jogue na parede e nos chame de lagartixa. E balance o coreto da monotonia.
Não precisa ser um mal-estar plus size como está na moda. Mas um mal-estar assim, tipo modelo de passarela, de proporções bem módicas, tem seu lugar.
Todo mundo sabe que a criação nasce no espaço da falta. Talvez seja isso que faça com que as vibes de porra nenhuma possam vibrar em uníssono. Elas têm de se reinventar pra produzir qualquer coisa. A gordinha do ônibus precisa sacudir o peso de tanta compreensão. Criar uma certa incompletude.
Feministas se boquiabrirão com esse meu apoio irrestrito ao dilema da gordinha. Não me importo com esses pruridos.
Nelson Mandela frequentemente “quebrava o protocolo” , como aparecer de chinelo pra receber a rainha da Inglaterra. Cansado de ouvir da sua assessoria “o que vão pensar do senhor?” Bateu o martelo: “Que tal deixar que escolham o que querem pensar de mim?”
Eu e a gordinha do ônibus ainda  vamos surfar na vibe do Mandela. Juro! Chegamos lá. A que porra de lugar? Não sei. E quem se interessa?







Maria Solange Amado Ladeira      -   06/09/2019
www.versiprosear.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário