Não desista dos sonhos
Solange Amado
Ela convida a tia pra fazer uma viagem ao Havaí. Sabe que é o
seu sonho. Pelo menos uns 10 dias num resort – sol, céu e mar, à sombra de um
vulcão que já está dormindo há muito tempo. Ela garante. E ainda adianta que se
o dinheiro for pouco pra tanta mordomia, ela cobre os dias a mais, desde que a
tia a acompanhe num mergulho ao fundo do mar. Coisa pouca.
O negócio é tenso. Mas é tranquilo. Tem aquele marzão besta,
tem instrutor, tem oxigênio e tem tubarão na área. Mas são tubarõezinhos
renquéns, bem alimentados que não topam comer velhinhas de carnes pouco
apetitosas.
Ela insiste. Afinal, é o sonho da tia. E de sonhos a gente
não desiste. Custe o que custar, mesmo se virar
comida de tubarão, mesmo que o
vulcão acorde com a barulhada que as duas vão fazer espadanando água pra todo
lado, pulando ondas, bebendo além da conta e catando conchinhas. Vai que.
E o Tutu Marambá? Aquele bicho-papão que vinha pegar a tia de
noite se ela não dormisse. Foi uma luta a vida inteira. Ela nunca dormiu
direito e ele nunca a pegou. Mas agora a história é outra. Agora a coisa é
séria. É o Tutu-Barão. Que não só come criancinhas insones. Topa até comer
velhotas. E tem o vulcão que dorme com um olho aberto outro fechado. Não há
garantia.
E pra arrematar, tem uns furacões meio malucos. Pode ser que
o vento as leve sem mais aquela, quando
estiverem catando conchinhas na praia.
E tem caranguejo.
Vai ou não vai?
A mamãe mandou bater nessa mão daqui! Pode ser que dê certo.
Nunca se sabe.
Mas tem um porém. Um quase segredo, mas segredos nunca são guardados:
a amiga é meio amalucada. Dorme quase o dia inteiro e passa a noite na esbórnia
do computador. Suas aventuras são famosas. A saber, ( a tia jura em cima da
Biblia que é verdade). Um dia, resolve acompanhar a filha numa viagem à
Tailândia. Ela que não abre mão do seu computador por nenhuma noite. Ajeitou seu relógio biológico insano, botou
seu sonho embaixo do braço e partiu. Quando aterrissou em Bancoc, colocou o pé
na escada do avião, o sapato se enfiou em algum buraquinho e ela se estabacou
escada abaixo. Ploft! Corre daqui e dali. Foi transportada para o hospital mais
próximo. Quebrou a perna. Dois dias depois, a Companhia a transportou com todos
os cuidados e a depositou de volta aqui na terrinha e ao computador. C’est fini
les vacances.
Quando a peleja da perna acabou, caiu inteirinha numa boca de
lobo sem grade, na esquina da sua casa. Resgatada por guapos mancebos, só
torceu o tornozelo, que segundo ela, deu mais trabalho que a perna quebrada da
Tailândia.
Só alguns meses depois, em viagem ao Rio, onde tem um
apartamento, passou embaixo de uma marquise que desabou nesse exato momento.
Cof cof! A amiga emerge das ruínas, coberta de poeira e sem um arranhão. Baita
sorte!
Mas tem o top de linha em matéria de birutice: a tia a
convidou uma bela tardezinha, pra
lanchar na sua casa. Muitas horas
depois, um telefonema indignado:
- “Não posso sair, estou presa em casa.”
- “Como assim?”
- “É. Meus filhos
trancaram as portas, não posso nem tirar o carro da garagem. Levaram a chave”.
(O carro faz parte do seu aparelho locomotor).
- “ Por que?”
- “Eles são meio malucos. Você sabe!”
Um interrogatório mais amiudado e a tia descobre que ela
estava com covid. O médico a colocou em isolamento. Que mané isolamento! Veja
se uma senhora distinta e asseada ia pegar peste em alguém? Toma banho, bota
máscara, tosse do lado de dentro do cotovelo e vida que segue.
A tia agradece penhorada esse alguém que escondeu a
chave. E anda matutando se deve aceitar
a generosa oferta do Havaí. Vai que seu anjo da guarda seja menos eficiente do
que o da sua amiga?
Quanto a desistir do sonho. Sem chance. Sabe que se não
encontrar na padaria em frente, vai pra mais próxima. Tem de arriscar!
Maria Solange Amado Ladeira
09/03/2023
www.versiprosear.blogspot.com.br
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