Relatividade
Solange Amado
A pequena de 5 anos dispara essa pérola para a irmã de 7:
“Duda, o mundo não existe, a gente está sonhando”. A tia mastiga e engole. Já
faz um tempinho que saiu da fase de “sonhar o mundo” e entrou na do pesadelo.
Deixou bem mais pra trás o sorvete, o bolo de aniversário, o Papai Noel. Agora
é hora do dragão. Botando fumaça pelas ventas.
Jogo do contente é lá pras Polianas da vida. A mãe nunca deu
esse refresco. “Mãe, to com dor de cabeça”. “Sinal de que tem cabeça. Vire pro
canto e durma”. E aí ela ficou assim, querendo colo, cafuné, chamego e essas
coisas que não dão tempo de prestar atenção: canto de passarinho, gorgolejo de
água de córrego, gota de orvalho na folha. Isso tudo ela deixou pra trás quando
o mundo era um sonho. Agora, o mais próximo da natureza a que pode chegar é se
sentando num formigueiro, lutando com as muriçocas, e pisando em bosta de vaca.
Isso também é o mundo.
Paciência! Ela não tem alma de poeta. Tem cabeça e ela dói.
Vire pro canto e durma que a fumaça de óleo diesel perfuma o dia que anoitece.
É o que temos pra hoje. Isso e o pedreiro encarapitado no buraco da janela sem
nenhum cinto de segurança: “Pode deixar, tô acostumado, já fui paraquedista”.
Estão no décimo-primeiro andar e ela não viu nenhum paraquedas. A firma que o
contratou deveria fornecer o equipamento de segurança, mas ele já foi
paraquedista, então, tá tudo dominado. Cair é sua especialidade. Esse é o mundo
real.
Tirante isso, só a verdade dos insanos, ou dos pernósticos
como diria seu pai, porque deles é o reino dos céus. A tia fica se perguntando
se haveria lugar para Einstein no mundo de hoje, com tanta sumidade vociferando
as suas certezas. Um surto de sabedoria que assola o país. Com tanta certeza,
onde é que fica a teoria da Relatividade?
Pois é. A teoria da Relatividade era uma certeza para
Einstein. Que era o Einstein e não o Zé das Couves cheio de empáfia que me diz
o que devo pensar. Diferença robusta. Pois Einstein tinha tanta certeza da sua
Relatividade, que ainda novo, querendo obter o divórcio da sua primeira esposa
Mileva Maric que se recusava a concedê-lo, fez-lhe uma proposta indecorosa.
Sabia com absoluta clareza que um dia ganharia o Prêmio Nobel, tanto que
prometeu transferir pra ela todo o prêmio em dinheiro proveniente da honraria.
Ela pensou durante nove dias e aceitou. Doideira dos dois. Mas efetivamente ele
foi premiado e, efetivamente, transferiu todo o dinheiro para ela, o que não
adiantou efetivamente muita coisa, porque ela morreu pobre. Tudo é relativo.
Efetivamente. Efetivamente, todo mundo sofre de um pouco de ecolalia...
Ninguém duvida da genialidade de um Einstein. Hoje se sabe
que ele tinha de fato um transtorno do espectro autista. Só conseguiu falar aos
3 anos. Considerado na escola um garoto retardado, tinha uma grande dificuldade
com a linguagem e a sociabilidade. Sofreu de ecolalia a vida inteira o que era
irritante para as pessoas . “Raramente penso usando palavras”. Coisa difícil de
imaginar de nós, animais falantes.
No nosso país, há muitos candidatos ao Prêmio Nobel que não
pensam, mas soltam o palavrório com uma certeza de fazer medo. Esses Einsteins
tupininquins podem ter, quando muito, o prêmio IG-nobel. Ecolalia é mato. Repetem
pra ver se acreditam ou se convencem alguém. Mas palavras, o vento as leva.
A tia já se recolheu. O único prêmio que pode obter é o
“relativo à idade”. Um pouco de bom senso e falta de garantia. O resto é sonho.
Ou pesadelo.
Maria Solange Amado Ladeira
- 21/06/2022
www.versiprosear.blogspot.com.br
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