A cuca e o "caco"

 

A cuca e o “caco”.

Solange Amado

Da poltrona onde ela está, ouve a água correndo no banheiro. A faxineira se esbalda. A água é o seu elemento. De repente, grita de lá: “O caquinho lá vai rompendo!” Como? E ela: “CACO. É como você diz que isto se chama”. Ah! o CACTUS está brotando.

Plantamos. Ele andou meio perrengue. Agora pegou força. Um passo atrás do outro e lá vai pegando o rumo. Como a amizade delas. Às vezes fica meio mambembe, vira cambalhota, que nem os livros, com os títulos sempre de cabeça pra baixo. Amizades são assim, imprescindíveis, mas muito birutas. William Blake já escreveu:

“O pássaro constrói um ninho

A aranha constrói uma teia

O homem constrói uma amizade.”

Cada um no seu quadrado. Mas amizades têm uma arquitetura muito mais complicada. É uma peleja que  nem esse “caquinho” que brotou. Elas estão botando reparo ansioso nele desde que surgiu timidamente. Achavam que precisava de mais água. Ficou meio melado. Largaram mão da água. Ficou seco demais. Precisava de sol. Sol não tinha. E lá foram elas tentando aparar as arestas, ou melhor, os espinhos do cactus, que nem é um cactus de verdade, é só um “caquinho” moribundo.

Ah! O ser humano é assim, tão frágil! A arquitetura da amizade, do viver é muito mais complicada, cheia de espinhos e de vai não vai, falta água, falta terra e falta ar. É muita responsabilidade em cima de um minúsculo “caquinho” morando no banheiro.

Ela volta ao seu livro, meio envergonhada da filosofia de beira de estrada em cima de uma reles plantinha espinhenta. E mesmo retornando ao livro “D. Maria I, a louca”, não consegue se livrar das elucubrações. A autora, Mary Del Priore defende a tese de que D. Maria I, de louca não tinha nada. O diagnóstico hoje seria o de uma depressão severa, que nem o “caquinho” submetido aos cuidados das médicas-jardineiras incompetentes, que não sabem nada de plantinhas delicadas.

Maria Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana de Bragança e Bourbon, Princesa da Beira. Só o nome já dá pra enlouquecer qualquer cristão. E a culpa. Santo Cristo! A culpa. O Green card pra entrar nos Estados Unidos do Céu era o maior osso. Toca a família real a construir Igrejas e Palácios Episcopais. Pra pagar os pecados e ganhar uma beiradinha do paraíso. E não eram só seus pecados, carecia pagar os pecados dos pais, avós, bisavós.E haja palácio!

Quando adoeciam, era um Deus nos acuda. A medicina daquele tempo era só um pouco menos desorientada do que a OMS com a covid dos tempos atuais. Tome mais igrejas e bênçãos papais. E sangrias. Tudo tinha uma sangria no meio. O tratamento das doenças mentais (ou a suspeita de) se fazia por meio de colete de força, coerção, queimaduras e banhos de água fria. Medicamentos? Tinha arsênico, pó de antimônio e purgativos.

Se a coisa estivesse mais feia ainda, era melhor estudar a fundo o “Breve aparelho e modo fácil para ajudar a bem morrer um cristão”. Não se sabe o que seria “breve aparelho”, “modo fácil” ou o que seria esse “bem morrer”. A tia só sabe que está em perigo de danação eterna, porque não construiu nenhuma Igreja nababesca. Só sobrou a culpa, que em 20 anos de análise não arredou pé.

Ela também é Maria. Não exatamente  “a louca”. Não é a Princesa da Beira, mas confessa que está bem na beiradinha. Periga despencar do outro lado a qualquer hora. Enquanto isso, vai botando água demais na plantinha, água de menos ou quase mata a coitada por asfixia. Não obstante, o “caquinho” lá vai indo como Deus é servido.

Afinal, ela já descobriu pelo “Manual do Bem Morrer” que a morte é o maior negócio da vida. Se dá lucro, ninguém contou. Pelo sim pelo não, ela vai colocando pouca água no “caquinho” e pisando com muito cuidado na beiradinha. Vai que, né?

 

 

Maria Solange Amado Ladeira          - 24/05/2022

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