Poema solado
Solange Amado
O poeta José Paulo Paes convida a todos os mortais a brincar
de poesia como se brincam com bola, papagaio e pião. Com a ressalva de que
bola, papagaio e pião se gastam com o tempo e as palavras estão sempre alí,
fresquinhas, leves e orvalhadas. Parece fácil como tirar pirulito de criança.
Conversa mole, cara pálida! Claro. De vez em quando aparecem
um Pelé da poesia, um Maradona dos escritos. O resto de nós, mortais, chuta pra
fora mesmo na cara do gol. Ainda que a palavra seja nova e redondinha e o campo
do papel e da telinha sejam verdinhos e cheirosos. A inspiração é de classe
média. Sem o luxo dos grandes condomínios.
Em geral o campo da palavra para a galera miúda é branco,
liso, vazio, poeirento ou lamacento dependendo se chove naquela horta, e
costuma olhar com certo ar de entojo para os candidatos que se apresentam.
Ele, o candidato, não desiste e o clima vai ficando tenso.
Metade da manhã já se foi e os dois estão lá, ele e a tela em branco, se
examinando como dois lutadores no tatame ou no ringue. Tirante as fanfarronices
do “sou mais eu!”, “é mole pra nós!”, “vou ganhar no primeiro round!” , são
dois menininhos se mijando de medo.
Não obstante, não tem
coré coré. É compromisso de vida ou morte. Ninguém mandou entrar nesse vale
tudo da escrita. Vale suplicar baixinho a São Neruda que rogue pela criatura e
meter bronca.
Ao que parece, nenhuma ajuda chega do além. Talvez da
geladeira. Tem um mingau de milho verde lá. Ao invés de palavras, calorias. Mas
os quilos são mortais e aqui não se trata de ingerir, trata-se de expelir.
Então, foco! Força! Movimente as entranhas cerebrais. Provavelmente o rebento
vai ser mais feio do que a mãe do sarampo. E filho feio não tem pai, mas tem
mãe. Então, faz-se mister tornar-se a mãe amorosa desse rebento canhestro.
Certamente não é do Neruda. Ele jamais reconheceria a paternidade, mas seria
ambicionar demais. Melhor baixar a bola.
Corajosamente, reunindo todas as forças, a candidata (por que
não, o candidato?), dá um último empurrão e a cabeça do nascituro aparece:
“Nasceu um
poema
Como algo
que queima
Os dedos
da inspiração”
Alívio! A cabeça é o mais difícil, o resto deve deslizar mais
fácil. O bebê já vem com a carinha do Winston Churchill. Bom sinal.
Mais um empurrão e lá vem o corpinho. De uma vez só para
gáudio da plateia:
“Nasceu um poema queimado
Esmagado e torto
Bolo
solado
No
forno do coração”.
Não é lá um Neruda, mas vamos e venhamos que comer a fatia de
um poema ruim, saído bem sapecado de algum forno, é melhor do que comer um
strogonoff com um quilo de sal. Entre
um cozinheiro ruim e um poeta ruim. O conselho é ficar com o último.
Mais fácil de digerir.
Maria Solange Amado Ladeira
30/08/2022
www.versiprosear.blogspot.bom.br
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