Fanatismo
Solange Amado
A tia abre os olhos e procura nas redes sociais se houve
algum “despioramento” das novidades na terrinha. E ele está lá. Justin Bieber
rides again.
Há alguns milhões de anos, no extremo do corredor habitava
uma loirinha fofa e novinha, com um defeito cabeludo: o fanatismo. Mas
adolescente fanático é pleonasmo. Na adolescência isso é doença curável.
O fanático é um chato por natureza. Não muda de ideia nem de
assunto. Dá a maior canseira. Assim era a loirinha. Tinha maneirismos, cabelos
e roupas iguais às do seu ídolo. Assim, a tia ficava muito bem informada sobre
a vida pregressa dessa sumidade. Descia o elevador sob o som do seu último e
magistral sucesso. Sabia de suas preferências e namoricos. E as “aprontações”
nos quartos dos hotéis. O máximo da criatividade.
A coisa foi indo nesse vai-da-valsa até que a lourinha se
mudou do edifício e Justin Bieber saiu do radar da tia. Meio que caiu no
ostracismo. Deo gratias! Até ontem.
Agora, façamos um corte pra contextualizar esse trem de
fanatismo: a tia era vizinha de um hotel 5 estrelas, que acabou falecendo por
conta da inflação galopante e outras milongas. Mas era alí que se
hospedavam todas as Altezas Serenissimas
da Corte. Políticos, empresários, artistas.
Quando isso acontecia, a tia era delicadamente despertada com
o ra tá tá de um enorme helicóptero que só faltava entrar pela sua janela. 6
horas da manhã e aquela visita incômoda flutuando por horas em volta do quarto.
Não. Não era nenhuma operação de busca e
apreensão da PF. Não chegava a tanto.
Podia contar. Era batata. Alguma vaca sagrada ocupava um dos
aposentos de luxo do 5 estrelas. No fim do mês a gente fazia uma vaquinha e
pagava. Sem problemas.
Segundo um perito no assunto, a tia era uma privilegiada. Se
tivesse uma carabine com mira telescópica e bala na agulha, podia descansar a
arma no peitoril da janela e abater o cidadão à beira da piscina ou fazendo
tranquilamente o seu xixizinho matinal. Daí aquele cuidado.
Verdade que seu pai já teve um revolver enferrujado calibre
38 e uma caixa de balas no mesmo estado. O dito objeto vivia fechado a sete
chaves no cofre que nem era cofre, era um arquivo onde ele guardava os
processos dele. Tudo longe da curiosidade das crianças.
Se um ladrão surgisse de repente, até o pai abrir o arquivo,
desembrulhar e carregar o revólver enferrujado, daria tempo de oferecer ao
meliante, um cafezinho com pão de queijo. E bem capaz que na hora H, a
geringonça negasse fogo, que nem com a Cristina Kirchner. Vai ver que foi o
mesmo três oitão que muito mais tarde foi roubado quando a família toda
viajava. Coisas da vida.
Vai daí que um dia, a bela adormecida (mais nova, muito
adormecida e muito menos bela) acorda com o famigerado ra tá tá. Qual seria a
vaca sagrada descansando sua carcaça no 5 estrelas? Não conseguiu saber. Naquele tempo não havia
redes sociais.
Toma seu café e vai pra sua aula de violão. Aí tem de
atravessar a avenida na frente do hotel. Uma multidão de adolescentes insanos
fechava o transito. Fudeu!
O PM que chefiava o policiamento e trabalhava nas imediações,
lhe informa quem era. Adivinhe! Ele mesmo. Justin Bieber, o queridinho de 9
entre dez adolescentes em flor. E o mais interessante. O cara estava lá,
aboletado num dos últimos andares do hotel. Ensandecidos, os jovens com as bocarras
abertas esperando.
Pasmem. Lá de cima, o grande artista cuspia, e de baixo, a turma esperava ansiosamente que
o cuspe atingisse suas bocas escancaradas, qual um filhote de passarinho sendo
alimentado pela sua mamãe passarinha.
Isso se chama fanatismo e a tia espera muito em Deus que
essas criaturas tenham ficado curadas da adolescência. Mas duvida muito. Só não
sabe qual é mais patético: o cuspidor ou os cuspidos.
Maria Solange Amado Ladeira 13/09/22
www.versiprosear.blogspot.com.br
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