Vida
Solange Amado
Minha amiga perdeu um filho. Era seu único filho. Bonito,
jovem, amoroso e com um grande futuro. Foi assassinado pela ganância de um
sujeito que queria o seu carro novo. Conseguiu o intento. Mas queria mais,
mais, mais e submeteu-o inimagináveis torturas. Bem no dia em que comemorava
seu noivado.
Mas era só uma vida. E o que vale uma vida? Vale nada.
Afinal, viver é só um sopro. Não há
garantias. Salve-se quem puder!
Um buraco negro se abriu na frente de todos os que o amavam.
E foi aí que descobri minha inutilidade. Não sabia o que dizer, o que fazer.
Não encontrava palavras que descrevessem o meu amor, a minha emoção, a minha
dor. Palavras que pudessem dizer: eu estou aqui. Vamos enfrentar isso juntas!
Palavras sempre foram a matéria-prima do meu ofício. Busquei
lá no fundo de mim algo que acendesse uma pequena luz na escuridão brutal em
que ela se encontrava. Mas não há. Nos enlaçamos num abraço sofrido e
desesperado. E só há mesmo o gesto, onde as palavras não chegam.
Levou algum tempo para que a gente pudesse tatear algumas
palavras que exprimissem de maneira imperfeita, a dor, a falta, a revolta, a
raiva, a incredulidade. Mas ainda que imperfeitas, as palavras existem e é com
elas que resistimos, que buscamos a força e a coragem. Ainda bem que elas
existem. E é a matéria prima que temos a nosso dispor, talvez a única. E é o
que trazemos aqui hoje. Palavras. Não palavras vazias. Palavras de força, de
coragem, de luta. Porque não é tempo de se entregar.
Carlos Drumond de Andrade, que sempre lamentou, de maneira
comovente, a amputação das motanhas da sua Itabira natal, engolidas pela
atividade mineradora esfomeada e inconsequente, também deixou essa mensagem,
que é um grito de coragem nesse momento em que tudo parece um caos sem solução.
“Chegou um tempo em que não adianta morrer,
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem,
A vida apenas, sem mistificação”.
Maria Solange Amado Ladeira -
07/05/2019
www.versiprosear.blogspot.com.br
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