A queda de braços







A queda de braços
Solange Amado

Papo vai, papo vem. Grupo animado. Alguém conta um caso: A mãe recebe visitas na sala, quando o filho resolve sair pra brincar com os amiguinhos. Aí, ele se embanana com a chave e grita: “MERDA!”. Silêncio repentino  e incômodo. A mãe, horrorizada, chama o garoto e diz: “Meu filho, não se diz palavrão. Muito menos quando temos visitas!”. E o menino: “Me desculpe, mãe, mas sabe porque eu falei merda? “Por que? A mãe diz.  E ele: “por causa da PÔRRA da chave!”.
Não há como não comparar com a situação política do Brasil. A gente disfarça porque tem visitas na sala, mas a porcaria é a mesma desde tempos imemoriais.
Dia desses me preparo para sair, enfio a chave (novinha) na fechadura: clic. Nada acontece. Clic, clic. A porta continua impávida. Saio pela porta dos fundos e vou à cata do chaveiro, autor da chave, que há anos trabalha nas vizinhanças. “Essa chave não funciona” , digo. O cara se abespinha: “Não senhora, meu serviço é perfeito. A senhora não soube abrir a porta”. Volto pra casa com o cara ofendido atrás de mim. Entramos pela porta dos fundos. Clic, clic. Nada acontece. O sujeito vai se irritando. Desparafusa a fechadura, examina, assopra, bota um óleo, tambor rodando beleza, mas clic,clic, a chave não gira. Ele não economiza: “essa fechadura da senhora é uma merda!”. Não temos visitas na sala, e só penso: “vai ver é a pôrra da sua chave!”. Penso. Não digo, porque, em que pesem opiniões contrárias, ainda sou uma dama. Quase chutando o balde, mas sou.
 O cara se recusa a admitir que a chave não chaveia. Do fundo de uma gaveta, desovo uma chave de reserva. Clic. A porta se abre beleza. Não ouso olhar o senhor do serviço perfeito. Ele jamais fará um “mea culpa”. Ofereço uma coca-cola pra ele refrescar as ideias, e muito delicadamente insinuo que talvez seja o caso de fazer uma outra chave. “Não. É essa fechadura da senhora que é uma...” Já sei. Essas coisas acontecem. Às vezes mudamos nós, às vezes muda o Natal. Às vezes é a chave, às vezes a fechadura. E o velho continua empedernido: “a senhora vai ter de trocar uns parafusos por aqui. Essa fechadura é uma m...”
Troquei a chave e desisti da queda de braços. Tem funcionado.
Na frente da lojinha do velho empedernido tem uma banca de revista com outro velhinho que me chama de “minha princesa”. Em compensação, o velho chaveiro, quando passo, me dirige um olhar assassino e sempre pergunta: “quando é que vai trocar a sua fechadura”?.
Mal sabe ele que a fechadura vai muito bem obrigada e quem está precisando de parafusos novos sou eu, ou o velhinho.
Só sei que  a chave “sem defeitos” eu joguei no lixo. Quem achar, pode ficar com ela. Só vou avisando que ela não vai abrir as portas do paraíso. Nem da minha casa. Nem as do meu país. Enquanto houver essa  queda de braços.





Maria Solange Amado Ladeira                           11/02/2020
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