O aniversário (para o Ronald)

                                                                             
O aniversário (Para o Ronald)
Solange Amado        07/09/2019
Aniversários são implacáveis. A única alternativa é sermos otimistas. Aliás, é a única opção mesmo. Pelo menos enquanto não se tornam adversários.
Os primeiros aniversários não são amedrontadores, tirante os beijos molhados de avós e tios e os  inevitáveis pares de meia e camisetas. Aqueles embrulhinhos lazarentos de roupas que a gente abre com o entusiasmo de procissão de enterro, sob o olhar fuzilante das mães: “o que a gente diz pra titia?”.
Aniversários são cursos completos de diplomacia fora do Itamaraty. A gente aprende a cerrar os dentes, engolir sapos, botar o maior sorriso na cara e tocar a vida em frente. Fazer o quê?
Tenho um amigo, de família numerosa e humilde do interior de Minas, que se lembra nitidamente do seu aniversário de 6 anos: ganhou 9 pares de meia, 7 camisetas e nenhum brinquedo, além de 20 beijos molhados. Só os amiguinhos e a mesa de doces salvaram-no da profunda depressão. Os beliscões disfarçados da mãe lembravam-no de que o desespero não era uma opção: “agradeça a linda camisa que a vovó lhe deu!”.
E aí a gente cresce. Começa a confundir velinhas com velhinhas. As meias e as camisetas já não causam desespero. Nem os beijos molhados. As taxas de glicose e colesterol não permitem que a mesa de doces seja um consolo. E o fígado inchado já não é tão amigo da cerveja. Os dois passam a se desentender.
Poderia ser muito trágico. Mas ainda restam algumas cartas na manga. Ah! Ainda restam os amiguinhos e as palavras! E a gente aprendeu a brincar e a se encantar com elas. E a apreciar a jogada de mestre dos amiguinhos. Eles sempre nos ensinam uma manobra nova para manejá-las com absoluta destreza. Que venham os pares de meia e as camisetas! Não são importantes. A gente já aprendeu a se vestir de palavras.
É isso o que temos pra você, mestre, nesse seu dia. Mais uma vez os amiguinhos se reúnem, em torno de uma mesa de doces e palavras ou de doces palavras. E vamos nos lambuzar com elas.
Não preciso que me belisquem pra dizer “Obrigada” . Você sempre nos presenteou com essa amizade escrita . Essa é a rede de que precisamos para nos proteger de cair na falta de sentido.
Que venham mais meias, camisetas, beijos molhados e esse amor desmesurado pelas letras, essa liga que une os amiguinhos na festa do seu aniversário.  Parabéns!!


3 comentários:

  1. Parabéns para Ronald!
    Solange, você sempre nos presenteando com belíssimos textos.
    É isso, a gente aprendeu a se vestir de palavras. bj!

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  2. Eu percebi que tinha deixado de ser criança, quando não ganhava mais brinquedos no aniversário...

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