Eita Brasil varonil




Eita Brasil varonil
Solange Amado
Um dia, um grupo de militantes de um partido “a serviço dos pobres” adentrou o seu bairro, arrebanhou todos os analfabetos e os ensinou a “desenhar” o seu nome, como ela diz com orgulho. Daí, tirou o título de eleitor deles, com a condição de que votassem no seu candidato. Só isso. Ela continua analfabeta e pobre.
Pior a emenda do que o soneto. Há muitos anos ela vota na mesma pessoa, seja ela candidata ou não. Não sei o que apronta ao se aproximar da urna. Tá no automático. Algo assim como o samba de uma nota só. Um caso de hipnotismo. Em mulher ela não vota: “A Bibra fala que os hômi deve governá, as muié deve ficar em casa criando os fio” diz, sem atentar na contradição de que ela, mesmo analfabeta, é que sustentou sempre as filhas, todas mulheres.
Há pouco  foi abrir uma conta no banco. Afinal, sabe “desenhar o nome”. Vai daí que o gerente lhe deu uma folha para ser preenchida. Ela pegou o papel, olhou de cima abaixo. Tudo grego. Aproximou-se timidamente do gerente e disse: “O senhor não tem aí aquela folha que é só botar o dedão?”
Recentemente, ela declarou guerra aos médicos. Aliás, sua relação com eles  foi sempre na base de “você não presta, mas eu te amo”. O sujeito teve o desplante de aconselhá-la a tomar a vacina contra a gripe. Nunquinha! Sua comadre lhe disse que ninguém deve cair nessa. Há pouco tempo a televisão mostrou uma médica que dava injeção nos velhos e matava todos. “Meu Deus! Mas por que o governo ia fazer um negócio desses?” Argumentei. “Uai, por causa do aposento!”. “Como assim?” “Ói procevê, prestenção, o governo diz que não tem mais dinheiro pro aposento, e tem um tantão de gente querendo aposentá, aí ele mata um bocado e bota outros véio no lugar!”. Faz sentido. Temos como Ministro da Saúde um Joseph Mengele!
Faz pouco tempo, foi diagnosticada com diabetes. Embora desconfiada de que era puro caô do médico - ”ói se tem base? Eu nunca que senti nada” - procurou se informar com as comadres e me disse que há três tipos de diabetes: um que dá pra engordar, outro que dá pra emagrecer e outro que corta as pernas. O fato é que anda injuriada, o médico proibiu pão (Ah! O seu amado pãozinho francês!) doce, arroz, macarrão, batata, etc, tudo o que tem “sustança”. Ah! E “carambola”, sua grande paixão, que vem a ser “rocambole”  comprado na padaria ao lado de casa. “Aí eu disse pra ele: Doutor, eu trabaio, num posso comê feito coelho.” Outra grande paixão, que não ousava tomar é a coca-cola. Um dia lhe ofereci uma latinha. “Tem arco? Sei lá se o povo mistura cachaça”. Provou, gostou e agora, o lazarento do médico proíbe. Vida difícil!
Tem mais, o comprimido que deve  tomar diariamente, é grande demais e ela engasga. O médico resolveu o problema: “A senhora corta o comprimido no meio, toma uma metade depois a outra. Feito. Ela toma uma metade num dia e a outra metade no dia seguinte. Quando o médico argumentou que assim ela estaria tomando a metade da dose prescrita, ela observou:”ora, tudo o que tem em uma metade tem na outra.” E aí, só com a ajuda do seu pastor, que é um homem santo. Tudo o que ele fala tá na “Bibra”.  Aliás, como se não bastassem as limitações que a vida já lhe impõe, sua Igreja lhe impõe mais uma orgia de proibições: não pode ver TV, não pode usar calça comprida, não pode cortar o cabelo, não pode usar roupa sem manga. Perguntei se o seu pastor já havia visitado a sua casa pra saber das suas dificuldades. E ouvi a singela explicação: “Não. Ele não visita muié viúva, nem separada, que é pra não ficar falado”.
Recentemente, ela teve uma altercação com o porteiro do edifício. Chegou chorando: “Ele mirô!” Ele mirô!” . O que, diabos isso queria dizer eu não sabia. Ele deu uma olhada  nela? Deu-lhe uma mirada? Com muito custo, fez-se luz. Ele “me irou”. Ele fez raiva nela. Diante disso, ler Guimarães Rosa fica facim facim.
D. Sebastiana dá um livro inteiro de “causos”, mas se as histórias são engraçadas, sem dúvida botam o dedão na ferida. Na ferida da ignorância em que tantos dos nossos irmãos são mantidos pela gulodice dos nossos políticos, que se esbaldam nessa massa de manobra. E haja ignorância para alimentar essa fome!
Já disse e vou repetir o que disse Rubem Braga: “nossos políticos se parecem muito com os elefantes de Uganda, são belos animais, mas comem muito”. Comem até a gente. Se a gente acreditar. E como diz Júlio César “Homines quod volunt credunt” – os homens acreditam no que querem.
Prefiro um lema, que pode não estar na “Bibra”, mas ajuda a enfrentar esse tsunami: “Dum spiro, spero” – Enquanto eu respirar, terei esperanças.

Maria Solange Amado Ladeira     -  28/08/2018
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