O assalto



O assalto
Solange Amado
Ela entra na sala dos professores, senta-se à sua mesa, reúne os seus breguetes e se prepara para mais um dia de labuta. É quando entra uma colega tremelicando toda, branca como uma folha de papel. Depois de providenciado um copo d’água, a colega relata  que quando chegava à Escola, um negro imenso deu-lhe uma chave de braço e solicitou não muito educadamente, com uma arma brilhando nas mãos, que ela tirasse o colar e os brincos e os entregasse a ele. Apavorada, gaguejante, ela conseguiu dizer:
-“Moço, mas isso não é ouro. Não vale quase nada”.
- “Não importa. Minha nega gosta!” Foi a resposta.
A Escola em questão, estava  situada em um bairro de classe alta, com casas elegantes,  enormes portões e guaritas e ao que parece, os ricos não andam a pé, assim, as ruas quase sempre estavam vazias. Os assaltantes se locupletavam.
Certa vez, no meio da aula, aparece uma aluna com mão na tipoia. Entrou em luta corporal com o meliante que tentava levar o seu celular. Não obteve êxito, mas quase arranca a mão da garota com uma mordida.
E tinha os casos divertidos. Uma vez, um pivete, com um caco de vidro na mão, ameaçou cortar o pescoço de outra garota, caso ela não lhe entregasse o dinheiro que tinha na carteira. Acontece que ela só tinha dez reais. Morava em Lagoa Santa e precisava da grana para voltar pra casa. Tocado pela pobreza da moça, o sujeito perguntou quanto ela pagava pelo ônibus. “Cinco reais”, foi a resposta. OK. Ele enfiou os dez reais no bolso e lhe deu cinco  de troco.
A professora ouvia essas histórias todos os dias. Mas como seu anjo da guarda era forte, escapou ilesa por longos anos. Até ontem, diga-se de passagem. Porque um dia a casa cai, ou o bolo sola, como diria a dramaturga Janete Clair.
Ontem não foi um dia atípico. Tudo transcorria na mais completa anormalidade, as notícias na TV, as caqueiras habituais, dores nas juntas e o relógio de parede que fez greve. O velhinho que foi consertá-lo não deu conta de carregá-lo. Tirante esse descompasso, nada muito fora dos esquadros.
Foi aí que ela teve a ideia infeliz de devolver à sua amiga, um livro que pedira emprestado. Bolsa, sacola com livros e papéis, partiu para cumprir sua missão. Tocou a campainha e ouviu do outro lado uma vozinha infantil: “-Quem é?”. Lembrou-se que era dia da amiga tomar conta dos netos. “É uma amiga da vovó!” Respondeu. “O que você quer?” A vozinha tornou a perguntar. A moça teve vontade de responder que estava levando alguns doces pra vovozinha, caso do outro lado se encontrasse o Lobo Mau.  Não disse nada.
Para sua surpresa, ouviu o clic da porta sendo destrancada. Empurrou-a suavemente e a mesma voz berrou: “Ponha a bolsa no chão e entre com as mãos pra cima!” Susto. Minha Nossa! A moça empurrou a porta com o pé e deu um passo para dentro. Não devia ter feito isso. Do lado de dentro, um menininho de uns 4 anos, cara de mau, segurava um revólver preto, muito pesado pra ele. E se aquele revólver não era de verdade, sua avó era bicicleta! “Passe a grana!”  E agora?
Uns 3 minutos de impasse. Estaria carregado aquele revólver? A moça não ousava se mexer e o garoto não sabia o que fazer com lenços de papel, remédios, cartões de crédito, um leque, alguns livros que ele pescava de dentro da sacola.
A avó custou a tirá-los daquela situação ridícula. Estava mudando a fralda do caçula.
Saia justa. O assaltante levou uma palmada na bunda por insistir em brincar com o revólver velho e estragado do avô.
Ainda que mortos e feridos, todos tenham se salvado, o mundo não é justo. A professora ainda acha que a palmada na bunda do avô seria a opção mais correta.





Maria Solange Amado Ladeira              27/03/2018
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