Só uma chance
Solange Amado
É preciso que saiba. Sou melhor ao vivo e em cores. Então,
não me imagine. Não fique fantasiando sobre mim. Isso tudo é fofoca. Eu nunca
sei como é que eu vou reagir diante de determinada situação, mas você
parece ter uma bolinha de cristal. Já
sabe o que vou fazer, como vou fracassar. E gosta disso.
Eu passo. Essa clarividência, essa onisciência é um delírio
coletivo. Não se iluda. Esse blá-blá-blá de prever o meu futuro me estressa, e
me cheira a imbecilidade. Palavra forte, né? Mas o que eu quero dizer é isso
mesmo: idiotice, ignorância. Coisa assim de falta de senso todo mundo ficar
tentando me explicar, se nem eu sei de mim.
Estou em aberto. Não tenho ponto final. Todo mundo sabe de
mim, mas ninguém me conhece de fato. Estou sempre em bocas de matildes. A (má)
fama me bafeja desde sempre. Todo mundo se acha no direito de dar um pitaco
sobre o meu percurso.
Não tenho culpa se todos me conhecem sem nunca terem me
visto. Muito antes de eu aparecer no pedaço, muito antes de eu entrar nas luzes
da ribalta, minha honra já estava enlameada. Sou uma espécie de prostituta de
luxo. Atuando no alto meretrício.
OK. O nome já diz: pre-conceito. E ele é inevitável porque é
inconsciente. Todo mundo tem. A gente desconfia do diferente, do que foge ao
convencional, e sempre olha de banda pro desconhecido. E aí desembesta a tentar
conceituar o que não entende. Trem difícil esse de não entender.
E se todo mundo é preconceituoso, não há como fugir, o
cuidado tem de ser com a atuação do preconceito. Quer dizer, você pode até
cismar com minha esquisitice, minha presença pode até incomodar você, pra você
eu posso até ser sinônimo de encrenca. Isso não tem como evitar. Mas não tem
nenhum direito de inventar coisas a meu respeito, coisas que cartas, bolas e
pedras supostamente disseram pra você.
Foi só eu aparecer que recebi bordoadas de todos os lados. Tô
cheirando mal, mesmo que de banho tomado e roupa nova.
Pois eu quero que saiba. Eu estou aqui. Você vai ter de me
engolir. Estou substituindo o desgastado, o fracassado, o encrencado 2017. Que
não pecou sozinho. Você colaborou ativamente. Meu nobre colega não foi pro
brejo sozinho. Pode crer. Você ajudou a carregar o andor.
Pois bem. Agora vamos deixar desse mi-mi-mi sofredor.
Arregace as mangas. Venha trabalhar junto comigo. Sou só o Ano Novo que em
breve estará velho e desacreditado se você continuar me denegrindo e me
culpando por antecipação.
Pois é. Estamos conversados. Me dê só uma chance. Feche a sua
boquinha e compre um espelho. Aí sim, vai conhecer a minha verdadeira imagem.
Maria Solange Amado Ladeira 01/01/2018
www.versiprosear.blogspot.com.br
Posso prever que 2018 teremos muitos textos da cronista. salve!!!!
ResponderExcluirPartindo de você, uma poeta muito competente, fico orgulhosa!! Que bom!
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