Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?


 Postado em 26/09/2017
Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?
Solange Amado

Ele entrou ressabiado, desconfiado, meio sem chão. Era um belo rapaz. Alto. Moreno. E as mulheres caiam como moscas a seus pés. Esse era o problema.
Eles se cumprimentaram. Ela indicou uma poltrona. Ele se acomodou ali. Ajeitou o corpo. Pigarreou. E começou um refrão que durante meses ia repetir ad nauseam:
-   “Eu NÃO SOU gay!”
Ela não disse nada.
- “ Já vou avisando para que não fique pensando coisas. Todo mundo acha que quando um homem se relaciona com  outro de vez em quando, é porque é gay. Quando isso acontece,  eu sou a parte ativa. Ninguém nunca me fez de mulher. E eu tenho uma namorada.  Eu NÃO SOU gay!”
Ela escutou.
E essa catilinária foi e voltou inúmeras vezes. No intervalo entre as dores, as namoradas iam e vinham. Não dava caldo. Claro, culpa delas. O elefante se espalhava na loja de louças, quebrando tudo e ele se recusava a ver. Afinal, Ele NÃO era gay.
Se ela fosse um analista de Bagé, dava-lhe um belo joelhaço. Mas não era. Armou-se de paciência. Vão atravessar juntos. No ritmo dele. Ela esperava.
E esperou dia após dia, mês após mês, ano após ano. O elefante começou a incomodar de montão. Ele mal respirava. Se recusava a olhar.
E foi aí que ele sumiu. Simplesmente assim. Sem aviso, sem despedidas, sem explicações. Ela tentou, mas não conseguiu contato.
Fez um “mea culpa” ligeiro e não encontrou nada relevante. Afinal, dá susto mesmo quando o fantasma atravessa nosso caminho e faz “buuuuuuuu”.
A vida continuou. Meses se passaram. Anos. Fez calor, fez frio, nasceram e murcharam as flores. Veio a chuva. Papai Noel chegou. Ela ganhou livros e saiu de férias. E então voltou.
Havia um recado na secretária eletrônica. Ele queria retornar. OK.
E aí ele entrou. Mais bonito do que nunca. Passo mais seguro. Sentou-se. E foi direto ao assunto:
- “ Eu SOU gay!”
Caramba! Deo gratias! Saiu do lugar. Ela sorriu: “OK”.
E ele desabafou:
- “E você já sabia, né? Meu Deus! E eu tinha medo que você tivesse um treco quando descobrisse. Eu jurava que ia haver um tsunami, um ciclone, um terremoto. A casa ia cair!”
Não houve. A casa não caiu. Ela não teve um treco. Mas houve um abalo, não propriamente sísmico. Ninguém morreu. Mas as placas tectônicas emocionais precisaram se ajustar. Novo desenho. Finalmente!
15 anos se passaram. Ela acorda pela manhã. A lama escorre pela TV. Tempo de delações e delatores. Um dos citados dá o seu depoimento. O elefante na loja de louças faz o maior estrago. E ela é transportada pra mais de uma década atrás: “Eu NÃO SOU gay”
Vai começar tudo de novo. “Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra!”




Maria Solange Amado Ladeira    -  26/09/2017

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