Solange Amado
Postado em 21/08/2017
Postado em 21/08/2017
A professora deu o tema para a sua turminha de 7 anos fazer
uma redação:” Uma família pobre”. A menininha não conversou: “ Era uma vez uma
família muito pobre. A casa era pobre. O jardineiro era pobre. O chofer era pobre. A cozinheira era pobre. A babá era pobre.
Todo mundo era pobre. Fim.”
A moça acordou mal resolvida. Rosnou para o relógio e se
lembrou dessa historinha manjada. Vontade de simplificar seu texto, que nem a
menina: “Era uma vez um dia comum. Sem inspiração nem transpiração. Nada de
novo no front. O Espírito Santo não baixou. Não ficou famosa. A merreca que tem
no Banco está do mesmo tamanho. A noite chegou e se foi. Não houve sexo nem
rock’n roll. Faltou bala na agulha. Fim”.
E foi assim que o dia a encontrou. Com gosto de cabo de
guarda-chuva na boca. Nada mudou. Nem quando o telefone tocou e o Parque
Renascer Cemitério e Crematório lhe ofereceu a preços módicos, um lugar para
descansar seus ossos doloridos. Aliás, já se acostumou com esse assédio.. Não
deixa de ser uma quebra dessa “noia di vivere”, mas vai se aproximando cada vez
mais da “noia di morire”. Botar um fim nessa história é pleonasmo.
Tudo OK, mas bem que podia ter surpresas pontuais. Um pit
stop nessa coisa de “devagar se vai ao cemitério”. Quando mais novidades, mais
devagarzinho essa marcha. Bem devagarzinho, se possível.
E foi com esse humor negro que a moça pegou sua lista de
compras, e já que o chofer é pobre, a governanta é pobre e a cozinheira é
pobre. Estão todos empatados. Só resta à moça ficar com o trabalho pesado.
E lá foi ela, contra a vontade e contra o vento, empurrando
um carrinho de feira bem proletário. Com uma lista de compras bem convencional
pra desovar. E um humor bem duvidoso.
A moça já plantou uma árvore não se sabe onde, já escreveu um
livro que quase ninguém conhece. Quanto ao filho, improvável uma barriga de
aluguel. Talvez consiga vender a sua. Quem sabe? São tantas as esquisitices
nesse país...
As coisas iam caminhando nessa toada malemolente quando uma
senhora muito bem vestida parou no meio da calçada, abriu os braços e berrou:
“Fulana de tal!?” A moça se assustou: “Sim, sou eu!”E a mulher arrematou a
abordagem: “Pois é, eu a reconheci pela foto. Adorei seu livro. Uma amiga me
emprestou!”
Uau! A coisa prometia . Mas parou por aí.Não teve nenhum
selfie ou autógrafo.Foi só um relâmpago na tarde morna. Não deu nem pra começo
de conversa.
Mas me esqueci de dizer que a moça, como o poeta Manoel de
Barros é fraca para elogios. Daí que criou alma nova. Comprou um sapato novo na
loja do lado e saiu pisando mais leve. Um dia, quem sabe, terá um chofer pra
carregar sua tralha de dona de casa. E o que dizer da governanta? E quiçá um
jardineiro? Ele poderia consertar a “talba da partileira” que a faxineira disse
que soltou.
E ela que nem tinha notado o sol se pondo lá no fim da rua em
miríades de cores! Macacos me mordam se a moça não criou alma nova.
Um toquezinho de leve no ego e a tecla dos sonhos levantou
voo. Quem diria! Não se pode confiar em nenhuma depressão!!
Maria Solange Amado Ladeira
- 15/08/2017
www.versiprosear.blogspot.com.br
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