O Olhar 2
Solange Amado
Foi naquele
dia. E aquele olhar. Podia ser num dia qualquer, num ano qualquer. Um tempo
mais tarde, talvez. Não importa. Ela nunca estaria pronta.
Não que
fosse diferente dos outros dias. Ele tinha sempre esse olhar de aviso, de
lusco-fusco. Cheio de promessas, de surpresas. Chegadas e partidas. Ondas de
tirar o fôlego. Onde ela surfava mar adentro e mar afora, mergulhada naquele
amor que prometia o mundo. Até que a noite, o dia, ou a realidade golpeassem a
completude desse olhar.
“Até logo,
minha onça pintada”, diziam os olhos meio matreiros. Um beijo na ponta do nariz
e a onça tentava segurá-lo só mais um
pouquinho. E só pra ver baixar a persiana daqueles longos cílios. Como um aviso
colocado na vitrine: “Abriremos só amanhã”.
E a onça ficava ali, desamparada, lendo ansiosa o aviso na
vitrine daqueles olhos sussurando
promessas: “amanhã tem mais”.
A carruagem virava abóbora. Um pequeno espaço para o desejo.
E logo se veria refletida no espelho daquelas pupilas de um azul intenso, onde
morava o alfabeto inteiro. Cada página era uma descoberta inefável.
Bastava que fosse levantada a cortina dos cílios pela manhã,
e jorravam palavras: de urgência, de paz, de amores, de dores, de flores. A
rima de um poema vivia lá dentro. O que importava é que aqueles olhos prometiam
a completude. E ela colheu essa promessa. Confiava naquele olhar.
E foi naquele dia. E foi aquele olhar. Ela devia ter sido
mais esperta. Devia ter visto que quando a cortina dos olhos baixou e os olhos
se calaram era adeus. Nunca mais.
Hoje percebe que os olhos disseram isso. Ela é que não soube
ler. Viciada no amor, na espera, na esperança, não soube entender o recado
daquele olhar.
Não esperava que fosse assim tão fácil. Duas esquinas adiante
o brilho daqueles olhos se apagou de vez. Devia ter desconfiado. Naquele dia
foi só uma leve carícia. Os olhos pousaram mornos na paisagem fora da janela.
Já não estavam ali.
Eles avisaram. Ela não leu o aviso .
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