Postado em 28/06/2027
Casamento Perfeito
Solange Amado
A moça esta lá na peleja, escrevendo. O quê? Não se sabe. Só
se sabe que precisa produzir urgentemente. Sobre sol, a lua, o céu, a vida
sexual das minhocas. Algo que possa ser interessante. Mas a vida da moça não
está nada interessante. A inspiração anda meio abaianada. Reza a cartilha do
politicamente correto que ela deve produzir pelo menos, um texto por semana.
Se fosse uma escritora, teria de fazer pelo menos três laudas
por dia para escapar das mandíbulas dos editores ameaçando abocanhar o seu
calcanhar. Graças a Deus, ela é só uma pseudo escrevinhante e o cão bravio no
calcanhar é só a sua consciência. Mas não se iludam, a consciência é a pior
censura.
Isso posto, a moça fica ali doidinha para escapar pela
tangente, mergulhar no livro que está lendo e esquecer aquela lereia de desovar
alguma coisa útil do terreno árido da sua cachola.
Mas é uma questão de honra. Domar as palavras, botar as
lazarentas no cabresto. Hay que não ceder ou a anarquia se instala.
A moça respira fundo, finge que é Saramago e sofre da mesma
pirraça de ter de estar sempre tirando da algibeira ditos inteligentes e
interessantes.
Quando está quase pedindo arrêgo e desistindo da sua produção
semanal, a faxineira entra no quarto com algumas notícias desastrosas e vai
desembuchando; 1) a “talba” da estante de livros se soltou da parede e se
ninguém fixá-la vai haver um desabamento. 2) A pia do banheiro está vazando, 3)
A porta da geladeira nova não está fechando direito.
É isso. A escritora de meia tigela vai pro espaço. Nunca vai
ser uma mulher dólar, apenas uma mulher do lar, perdida nos probleminhas miúdos
de uma dona de casa.
E agora, José? Como achar um macho competente que conserte
pequenas coisas dentro de casa sem fazer
gambiarras e sem se aproveitar da ignorância crônica da pobre moça? O
último que adentrou o recinto, colou um azulejo e quebrou dois enfeites,
consertou o varal de roupas e partiu o lustre em mil pedaços, sem falar no que
consertou a descarga com barbante (durou uma semana). E isso depois de a moça
comer três dias seguidos de bolos.
O que fazer? Procura no catálogo o telefone do “Maridos de
aluguel”.O número sempre vai pro buraco negro da memória. A moça estava nessas
considerações filosófico-práticas quando a faxineira veio em seu auxílio.
“Alugar homem não é uma boa. Minha vizinha casou com um homem
perfeito. As muié da Igreja todas inveja ela”. A moça pergunta qual é o
diferencial. Orgasmos múltiplos, flores todos os dias, paixão desmedida,
tratamento 5 estrelas? E a resposta:”Nada disso. Eles nem tem mais nenhuma ligação de carne.
Dormem em quartos separados. Cada um pro seu lado”. “Uai, e qual vantagem Maria
leva?” Observa a moça. “Aí é que tá” ela responde: “Ele cozinha, lava, passa,
viaja com ela, carrega as malas e conserta tudo dentro de casa.”
Êpa! A moça ficou bastante ouriçada. Isso sim é perfeição.
Por enquanto, o “Maridos de aluguel” tem de bastar, mas a
moça prometeu aos anjos e santos que, se lhe arranjarem um exemplar que nem
esse, promete nunca mais reclamar na vida. E mais, sem essas preocupações
miúdas e chinfrins com torneiras, descargas e “talbas”, vai fazer um texto por
dia, sem reclamações e com a inspiração escorrendo pelos poros.
A moça já anda pesquisando no Google. Quanto será que custa
um marido platônico-faz tudo?
Afinal, é a sua oportunidade de sair desse aluguel maldito!
Maria Solange Amado Ladeira -
27/06/17
www.versiprosear.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário