A La recherche do texto perdu
Solange Amado
Essa não tão jovem senhora resolve ir a Paris. Não sem
sofrimento, no bolso e na alma, diga-se de passagem. Noite maldormida, abro os
olhos para a manhã suarenta, faço as abluções matinais (“abluções matinais” pode
ser algo meio pernóstico, mas combina mais com Paris). Faz-se mister desovar os
casacos amoitados nos armários, arranjar um voluntário para aguar as plantas,
pagar as contas, passear com o cachorrinho que não tenho , avisar ao Bradesco,
ao Santander, a OI, Caminhos para Jesus e Legião da Boa Vontade, que não
poderei atender às suas 5 chamadas diárias. Entrar em contato com Moacyr
Franco, Fafá de Belém, e Hortencia pra
dizer que não precisarei nos próximos 30 dias, de Ômega 3. São muitas as
providências a serem tomadas.
Mas a insônia e a angústia persistem. E se resumem no danado
do avião. Se ele cismar de dar uma pane lá em cima. Babáu. Não dá pra chamar a
oficina, que permanece em terra. Não se pode confiar num arranjo desses. Um socorro tão mambembe.
Isso estressa.
Qualquer tentativa é válida. Essa velha senhora vai até o
Posto Ipiranga e pergunta se dá pra chegar a Paris por via terrestre. Ao
contrário do que podem pensar, até que dá. A Praça Paris é ali mesmo. Mas não
tem a Torre Eiffel, o Rio Sena, o Arco do Triunfo. Tem, é verdade, muito calor
e trombadinhas. Mas essa senhora em particular, quer mesmo é descansar seu
traseiro no Café de Flore. Com muita sorte, em alguma cadeira onde Sartre e
Simone de Beauvoir esfregaram seus bumbuns revolucionários. Se talento é algo
contagioso, pode ser que ela contraia o vírus da genialidade. Afinal, foi lá
que Charles Maurras, no final do século XIX escreveu “Au signe de Flore”, bem sentadinho no andar
térreo. Foi lá que em 1899 foi fundada a “Revue d’Action Française”. E desde
1944 é lá que todo ano entregam o prêmio literário “Prix de Flore”. E,
alcoolismo à parte, era só Marguerite Duras botar seu famoso traseiro em alguma
cadeira vermelha daquelas pra conseguir tirar leite de pedra. As palavras
brotavam na maior maciota. En français, évidemment. Três drôle!
Essa é a minha esperança. Pegar o vírus, devidamente
traduzido, das palavras, e nunca mais sofrer de síndrome de abstinência, quando
dá aquele blanc na cachola. Misturado com o bleu e o rouge, pode ser que esse
blanc dê um caldo e eu produza um texto colorido, porém limpo. Minha faxineira
sabe bem o que é isso quando se ofereceu pra lavar o meu tapete arraiolo.
Diante da minha desconfiança no êxito da empreitada, ela me tranquilizou: “Pode
confiar. Já lavei o da D. Fulana e ficou limpim, só misturô as cô”.
É isso. Vou à procura de um texto limpo, que não misture as
“cô”. Não sou muito confiável em prendas domésticas.
No momento, as “cô” do meu cérebro andam se entrelaçando numa
confusão dos diabos. O calor derrete a minha calota cerebral. Daí estar
procurando pastos mais frescos para meu
rebanho de palavras.
Seria o ideal, se não fosse esse porém: O avião. Já pensei em
contratar Moisés pra dividir as águas do mar, aí eu poderia ir de buzão mesmo.
Aliás, não sei por quê ele não patenteou sua técnica. Ia dar o maior ibope.
Vacilo total.
Ir e voltar. Vou precisar do apoio moral dos amigos. Moral e
imoral. Na base do empurrão mesmo. Body jump contrariado. Se me botarem lá
dentro, podem deixar que eu me viro. Ou não. Que o espaço não permite viradas,
reviradas ou batidas em retirada.
Já vou avisando que vocês têm de ser firmes. Vai ter dor de
cabeça, piriri, taquicardia, mas vocês não podem fraquejar. Empurrem. E quando
menos esperar... Merci. Je suis à Paris, com direito a biquinho e tudo. Chose
de loque!
Maria Solange Amado Ladeira 09/04/2017

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