Postado em 17/11/2016
Pirada? Eu?
Solange Amado
Tarde caindo. Lusco-fusco. Estou posta em sosssego,
conversando com amigos, a maioria da mesma tribo psi. Todos se dedicam àquele
ritual esquisito de ouvir desgraças alheias dia após dia. Alguém comenta sobre
profissões execráveis que jamais teriam. E eu deixo escapar com minha boca
grande, que só alguém muito pirado se torna proctologista. Impensável lidar com
merda todos os dias da vida. É quando um dos presentes me olha com ar
divertido: “E com o quê você pensa que nós lidamos todos os dias?” Direto no
queixo. Senti o impacto, mas ainda tentei me defender: “Bom, mas a “nossa”
merda pelo menos é simbólica”. Em vão. Eu sabia que já havia perdido de 1 X 0.
Simbólica uma ova! Bem palpável.
Então, estamos conversados. Vocês podem pensar que eu e o
proctologista temos, ou tivemos o mesmo material de estudo. Ambos somos
pirados. No mínimo, temos gostos duvidosos e estômagos fortes. O porco falando
do toicinho. Já sei.
Mas podem enfiar a viola no saco. Estão certos, mas vão
presos assim mesmo. Gosto de pensar que mantenho uma certa distância, que não
boto a mão na massa de dejetos. Que nunca vou escorregar na sujeira humana.
Essa também é uma mentira deslavada. Meu suposto equilíbrio nunca me protegeu
de escorregões mais ou menos graves pela vida afora. Nunca alcancei o olimpo
dos normais, o que não me impede de me boquiabrir diante das insanidades que a
gente contempla noite e dia e que, certamente, reduzem terapeutas e
proctologistas ao Jardim de Infância da doidice.
Noite dessas, de insônia, comecei a zapear pelos canais de
TV. Dei de cara com um programa chamado ”Meu vestido ideal”. Isso me remeteu à
minha adolescência e “Meu vestido cor do céu” de M. Delly. Algo parecido. Moças
casadoiras escolhendo seu vestido para o grande dia do matrimonio. Nada demais.
Mas aí aparece uma candidata, passa por uma coleção de vestidos de alguma “vaca
sagrada” da moda.Um mínimo de pano, mas não mínimo o suficiente. A moça irrompe
em prantos. Queria um decote mais baixo e algumas transparências a mais. Oh!
Grande correria. Finalmente, a vaca sagrada em pessoa aparece e concorda em
fazer os ajustes, mas a módica quantia de 50 mil dólares, paga por aquele
guardanapo brilhoso iria ser acrescida de mais alguns mil dólares. No problem.
E todos ficaram felizes para sempre. Menos eu que, ainda prefiro as histórias
de M. Delly.
Continuo zapeando e dou de cara com o programa de um fazedor
de bolos meio borrachudos (segundo um amigo novaiorquino), mas esculturas
perfeitas. E aí adentra o recinto uma Barbie americana. Quer o seu bolo de
aniversário enfeitado com a réplica de todas as suas joias verdadeiras. As
joias chegam com um forte esquema de segurança e são copiadas com muito açúcar
e pouco afeto, num bolo gigantesco. E os convidados tiveram de engolir,
literalmente, a sua riqueza. Mandaram goela abaixo as joias da coroa.
E segue o festival de nonsense. Uma fazendeira quer um bolo
de aniversário para a sua vaca preferida. A cópia da vaca em tamanho natural.
Tirante a noiva que se veste com metros de tule preto e quer um bolo gigantesco
com uma caveira. É dark. Seja o que isso queira dizer.
Zapeio mais além dos bolos borrachudos e dou de cara com um
filme pornô. Quatro minhocas com torcicolo se contorcem umas sobre as outras.
Desisto de distinguir quem é quem no meio do rolo. E nem gosto de pescaria.
Passo por um canal que tem um amestrador de gatos. Gato de
quatro patas, embora eu prefira com duas. O gajo amestrador é um figura
interessante, só não saquei o porquê carregar todo o tempo uma caixa de violão.
Não consigo saber o que tem dentro. Não é um violão. Não é um gato. Melhor ir
dormir.
Não é por nada não. Depois de algumas noites insones acionando
o “controle terremoto”, como diz minha faxineira, já estou achando a
proctologia uma profissão fascinante. Pelo menos alí, a merda é em espécie.
Maria Solange Amado Ladeira
- 15/11/2016
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