Lição de economia
Solange Amado
O velhinho ao meu lado, saca o telefone do bolso e manda
essa: “ Filha, vou me encontrar com sua mãe. Você quer que eu fale aquilo que
você falou pra eu falar?” Um longo
silêncio, e ele continua: “É. Mas aquela vez que eu falei o que você falou pra
falar, você falou que não tinha falado.” Mais uma longa pausa e ele prosseguiu:
“Então eu vou falar e você depois não fala que não falou.”
Então é isso. Se é pra falar, eu já tô falando.Não sei o quê,
porque o velhinho não revelou nada sobre aquele dialeto pai-filha. Vai ver é um
segredo guardado a sete chaves. E eu fiquei lá, me sentindo uma vizinha
abelhuda tentando desvendar aquele romance familiar.
Confesso que tive ganas de cutucar o velho e penetrar naquele
mistério triangular, ou montar uma escuta telefônica.
Mas o que fiquei elucubrando cá com meus botões é o quanto
somos perdulários no que se refere às palavras. A gente arruma uma gastança
inútil e usa uma fatiota nova em cada frase. Total desperdício. Fiquei me
sentindo praticamente uma Imelda Marcos das palavras. Se com 3.000 pares de
sapatos, a esposa do ditador das Filipinas Ferdinando Marcos devia ser uma
taturana gigante, minha coleção de palavras me envergonha diante daquele
velhinho. Em tempos brabos de crise, hay que economizar. Mas, a bem da verdade,
eu nunca fiz isso. Mea culpa. Sempre aprontei a maior gastança, quando, na
verdade, posso vestir a mesma palavra em várias ocasiões. Tô começando a
descobrir. Aquele velhinho me ensinou isso. Botaram reparo no milagre que ele
foi capaz de fazer com o verbo falar?
E eu aqui tentando enxugar gelo. Todo mundo me dizendo pra
cortar, cortar, cortar. Tá certo. Sou meio Imelda Marcos. Em geral falo demais.
Meu calo é esse. Não me calo. Mas não tenho culpa. A folha em branco me manda
falar. As vacas sagradas da literatura mandam que eu me contenha. E aí vem o
velhinho, e numa despretensiosa noite de sábado, me dá uma lição de economia. É
só pegar uma palavra, descascar ela, e servir; pode ser com chuchu, com feijão,
com batatinha frita, a gosto do freguês, enfeitar com cebola roxa, salsinha e a
frase fica como nova. Na maciota, sem desperdiçar nada de português.
Logo eu, que tenho a pretensão de frequentar o atelier do
Neruda, do Saramago, do Vargas Llosa, de Marguerite Duras e encomendar
modelitos personalizados pra fazer um guarda-roupa de palavras de alta costura.
Caio o queixo. Uma bela noite, aparece um velhote, pega uma palavrinha
adquirida na 25 de março, ou quem sabe, lá na rua Caetés, e dá seu recado com
roupinha velha, remendada, usada muitas vezes, sem mais aquela.
Então, estamos conversados. Meu sapatinho de cristal vira
chinelas havaianas. Perco meu príncipe encantado. Mas vou dançar a noite
inteira no baile da escrita. Pode ser o samba de uma nota só. Não importa e não
reparem.
Maria Solange Amado Ladeira
- 06/12/2016
www.versiprosear.blogspot.com.br

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