O painel
Solange Amado
Tinha uma parente lá na minha terra que era artista plástica;
o que significava, pra mim, ainda criança,algo assim como uma especialista em
plástico. Além disso ela era, digamos, abonada. E daí que resolveu construir
bem no centro da cidade, uma casa bem modernosa. Lá dentro fez um enorme
salão de mármore e contratou um artista
badalado no Rio de Janeiro, para pintar um painel no dito salão.
Depois de pronto, aquilo me parecia um salão de almas penadas
coloridas e fantasmagóricas.
Mas quem sou eu pra opinar? Não sou especialista em arte
moderna, ou em qualquer tipo de arte. E nem afeita a badalações de qualquer
tipo. Então, vamos ao que interessa: trato feito a peso de ouro, ficou acordado
que o artista em questão, ficaria hospedado na casa da contratante enquanto
pintava o painel. Foi aí que começou a novela. O cara pintava febrilmente
durante três dias, depois passava uma semana à beira da piscina, tomando sucos
e comendo salgadinhos servidos pelas empregadas. É claro que a leréia durou
muitos meses. Afinal, toda araruta tem seu dia de mingau. Como criar se o
Espírito Santo não baixa? Se não é dia de mingau hay que respeitar esse negócio
de inspiração, que de piração a gente não tem como se defender. Quando existe
piração com fartura, a gente usa com generosidade. Tem muito espaço. Com
inspiração é um pouco diferente. A gente pode usá-la, mas é um arquivo brabo
pra baixar. Se faz de difícil. Quando
não quer, não tem tatu que aguente. E aí chegamos ao ponto.
Acho que hoje é meu dia de piscina. Não baixou o arquivo da
inspiração. Nem tem, na verdade, ninguém pra me trazer suco de pitanga, toalha
felpuda e salgadinhos vários. Mais. Não recebi nem um tostão furado pra não
fazer nada. Não fazer nada é o modo de dizer, que na falta da piscina, entro em
luta corporal com as palavras, não as cruzadas, que essas eu domino, mas as
mais afoitas, que adoram brincar de gato e rato. Dá uma raiva!
Pra falar a verdade, fico meio envergonhada. Porque vocês já
notaram. Sou assim meio mulher de malandro. Apronto o maior barraco quando as
palavras dão no pé e vão caçar novas aventuras por esse mundão afora e baixar
na cachola de alguém mais criativo. Mas é só elas voltarem assim com ar sonso e
arrependido, que eu abro meus braços aliviada. São três dias de amor sôfrego,
de paixão enlouquecida, antes que tudo
volte à vaca fria e eu fique abandonada à beira da piscina. Nem suco de pitanga
dá jeito.
Na falta de inspiração, até tentei me especializar em
piração. Mas continuou faltando o INS. Desde então tenho ficado INStável. Entre
tapas e beijos. Eu e as palavras. Elizabeth Taylor e Richard Burton, que no meu
caso não tem nada de hollywoodiano. Nosso caso é mais modesto, mas nem por isso
menos dramático. Tenho esperança de que um dia role até um OSCAR de defeitos
especiais.
E já que, pelo andar da carruagem, não vou descolar nenhum
suco de pitanga pra molhar meu abandono e essa greve de inspiração, nada me
resta, a não ser a esperança de um regresso.
Então, em três dias febris, vou desenhar um painel colorido e
fantástico de palavras, que essas são minha tinta, meu mármore, minha parede,
minha alma penada.
Maria Solange Amado Ladeira 04/10/2016
WWW.versiprosear.blogspot.com.br
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