Amores, dores e cores
Solange Amado
Cor rima com dor. E com amor. Uma descoberta e tanto. Desde
então, tenho visto dores amarelas, vermelhas, azuis. O mundo anda cintilando um
arco íris de amarguras. Tirante no meu caso, que nunca tive uma dor em tecnicolor.
As minhas são antigas. Todas em preto e branco. E analógicas. Antes que alguma
coisa tivesse lógica.
Podem se boquiabrir, no entanto. Cor não tem, mas minha dor
tem cheiro. Nem sempre um cheiro ruim, diga-se de passagem. Às vezes, um cheiro
pungente de flor que quase sufoca. O cheiro da dor que ficou preso nas minhas
mãozinhas de criança. O cemitério com flores murchas e cruzes cinzentas. E
gente passando em preto e branco. O amor escorrendo para as entranhas da terra
junto com a flor.
Vai ver é isso. Minha caixa de dor só tinha lápis preto,
branco e cinza. A vida me roubou o vermelho poente, o amarelo sol, o azul
cobalto, o violeta de genciana, com medo de que lhe roubassem o glamour.
Aprendi a viver com tons esmaecidos. Mas o jogo de luzes e sombras, esse eu me
apropriei dele. E não economizo. Teço luzes por uma floresta de sombras e pesco
um amor que escapou do cinza opaco da dor. Só por uma noite. E ela fica
brilhante e encantada.
Quem disse que minha dor é triste? Quem disse que o triste é
dor? Já vivi miríades de luz. Um luar brincando por entre o negro veludo da
boca da noite quando você chegou, por exemplo. E quando você chegou não
precisei de cores. Você me pintou de felicidade, que é o lápis que condensa
todas as nuances da aquarela. Eu me aquarelei.
Não digo que tenha durado. Amor é assim, de lusco fusco. Num
aparece e desaparece de felicidade. Aliás, felicidade é luz de pisca pisca.
Apaga e acende. Preto. Branco. Brilho. E a gente se colore por dentro.
Minha dor sempre foi assim. Ou meu amor. Não tem como a gente
agarrar ou prender. Agora mesmo, uma dor fininha veio se aproximando trazendo
no bojo um amor analógico, cinzento e antigo que pousou na minha alma soltando
um perfume de flor de enterro. Nada de pânico. Abri as mãos e eles voaram para
longe. Há muitos amores cinzentos que vão e voltam soltos pelo mundo. Vez em
quando eles tentam se atrelar a uma dor
da era digital. Mas eu já não tenho mãozinhas de criança. E não tento prender o
seu cheiro. É apenas um instante. Não pertence a ninguém.
Aliás, dor nova é pura tapeação. A gente faz uma plástica e
estica algumas rugas da dor velha. Amor novo também é amor reciclado. Mas no
lusco fusco todos os gatos são pardos. Quando um amor reciclado ameaça colorir
uma dor velha, a gente fica assim com uma luz quase azulada. Quase. Porque eu
ando seguindo em frente. Amores e dores que me alcancem se puderem. Às vezes
são só fotos esmaecidas. Mas ainda dá pra ver o brilho nos olhos. E o cheiro
das flores.
Maria Solange Amado Ladeira 16/08/16
www.versiprosear.blogspot.com.br
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