O tandepá do Congresso
Solange Amado
Foi passando
de mãe pra filha. Foi assim que eu herdei esse “tandepá”, que eu nunca soube de
onde veio... até agora, quando fez-se luz.
“Tandepá” em tempos idos, era o que hoje chamamos de “rolar
um barraco”. Sempre que minha mãe farejava uma confusão, uma briga, um bate
boca, exclamava: “lá vem o tandepá!”. E podem apostar que eu estava lá, bem no
meio do tal de tandepá. Fosse ele aqui ou na Conchichina, os holofotes incidiam
sobre a minha humilde pessoa. Eu era a culpada e pronto. Quem tem fama deita na
cama. Não sem antes levar umas chineladas no lombo pra aprender. O que, eu não
sei. Nunca aprendi.
Mas estou me desviando da origem dessa palavrinha esquisita.
Então vamos à história: once upon a time... era uma vez uma terra recém
descoberta chamada Brasil, cheia de gentinha, calor, mosquitos e insalubridade.
Lá do outro lado, a família real portuguesa, cheia de gente que não batia bem
dos pinos, e que, por livre e espontânea coação de outro biruta chamado
Bonaparte, veio dar com os costados nessa terrinha.
Vai daí que todo mundo sabe que família é família. Real,
imaginária, burguesa ou proletária, biruta ou não, tem sempre um barraco
rolando, disputas, ciúmes e fofocas. E com o calor dos trópicos agravando a
saúde mental dos portugueses, eram frequentes as ocasiões em que suas altezas
saiam dos trilhos e cometiam as suas baixezas, com bate bocas regados a
palavrões e outras milongas que tais. Era hora da criadagem ficar de mutuca,
botando o maior reparo pra desvendar os segredos de bastidores da família real
e espalhar devidamente pelas redondezas.
Mesmo com o sotaque típico d’além mar, era fácil aos negros
que serviam suas altezas, compreender o linguajar usado nessas refregas. Pra
não haver o constante perigo de terem suas intimidades expostas diante da
criadagem, tiveram uma ideia. Naquela época, todos os que pretendiam ou que
ambicionavam alcançar o nirvana da nobreza tinham de aprender a falar o francês
e a tocar piano. Pelo menos as mulheres tinham de batucar um piano sofrível.
Tão importante quando guardar uma castidade vitoriana, era falar francês e
tocar piano.
Não sei o piano, mas o francês revelou-se de grande valia.
Quando as coisas saiam de controle, as vozes se alteravam e as inconfidências
começavam a brotar no seio da família real, alguém advertia: “parlons en
français! Ils n’entendent pas!” “Vamos falar em francês! Eles não entendem!” E
aí os criados passavam uns para os outros: “já começou o tandepá!”
Fico botando reparo na mixórdia que sai daquele nosso
Congresso em Brasília. Rola o maior barraco. A roupa suja é lavada
despudoradamente diante de nós, a criadagem. E a gente aqui, de mutuca,
querendo decifrar algo que preste.
Se ao menos falassem
francês, quem sabe podíamos sacar alguma coisa? Do jeito que a coisa vai indo,
só sobra mesmo o tandepá.
Maria Solange Amado Ladeira 22/07/2016
www.versiprosear.blogspot.com.br
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