Flores e Farpas
Solange Amado
Não gosto de chuchu. Não porque chuchu tenha gosto de
mesmice. É só botar molho na mesmice e ela fica legal. O problema é que chuchu
tem farpas e por causa disso, tive pelo menos, uns 15 minutos de fama. De má
fama.
Explico. Tenho um amigo meio natureba. A bem da verdade,
natureba inteiro, chegado a terapias alternativas tipo pedrinhas quentes, luzes
coloridas, tudo regado a mantras do budismo. E no meio dos seus nham nham
nhans, ele pensa em fazer um templo budista em seu sítio, onde eu teria a
subida honra de me hospedar, com o seguinte cardápio: acordar às 5 da matina
com o frio comendo solto; meia hora de nham nhans; depois, trabalho na horta
(em jejum!); depois, uma tijelinha de arroz insosso e mais nham nhans, depois,
trabalho no jardim por uma hora. E aí chegamos à história que eu quero contar.
Meu amigo natureba tem uma horta atrás da sua casa e um
jardim na frente. E toda vez que vou visita-lo, insiste em me mostrar as
maravilhas dos tomates, a pujança das abóboras, as cenouras enormes. E com meus
dotes culinários marca barbante, esse assunto me interessa tanto quanto uma
reunião de condomínio. Mas aí, a cerca estava desabando de chuchus verdinhos.
Ele insiste em que eu leve pra casa. Recuso. Não sei fazer chuchu. Em vão. Ele
me dá uma aula de cozinhamento de chuchu.
Chego em casa, lavo cuidadosamente os chuchus com uma
escovinha; lição número dois: corto e “afogo” numa panela com um pouco de sal.
Pronto. Já tá macio, só comer. Boto no prato e fico olhando. Chuchu tem farpas
já repararam? Como comer aquela gororoba espinhenta? Espeta a língua. Eu
pensava que as farpas amoleciam com a água quente. Daí o atestado de burrice e
os 15 minutos de má fama. Ninguém disse que tinha de descascar! O chuchu é que
machuca e eu é que pago o pato.
Tirante que eu não gosto de chuchu. Abacaxi eu gosto. E
também tem farpas, mas esse a gente não “afoga”, come cru e eu via a minha avó
descascando. Entendo de abacaxis, pouco de farpas. Mas com as farpas do abacaxi
a gente faz chá. Não gosto de chá, mas não interessa. Tem um montão de gente
que gosta.
Vai daí que vamos deixar a horta com as farpas para lá e
mergulhar no jardim. Rosas pra todo lado, e melhor, ele me libera as belezuras.
Vou levar pra casa um bouquet de rosas multicolorido! Começo a colher e de cara
recolho o meu entusiasmo. É como agarrar um porco espinho. Belas, charmosas e
cheias de espinho que nem o chuchu. Desisto. Legumes feios na parte de trás,
flores lindas na parte da frente. E tudo tem farpas. Até meu humor em noite de
lua minguante. E pensando bem, ultimamente ando espetando legal quem ousa se
aproximar dessa faixa de Gaza que sou eu. Não sou uma rosa, tô mais pra maria
sem vergonha, mas descubro que como as rosas, as pessoas se defendem de um modo
hostil, espetando e sendo espetadas.
Não vou mais colher flores, nem vou cozinhar chuchus. Chega
de ser espetada. Mas não abro mão das minhas farpas. Elas são minha Linha
Maginot, construída pelos franceses para se defender dos alemães, coisa só pra
inglês ver, porque não defenderam e não defendem franceses e ninguém de coisa
nenhuma.
E se querem saber, desconfio que com tantas e inúteis farpas,
vou só ganhar o troféu abacaxi. Ou seria o troféu chuchu?
Maria Solange Amado Ladeira -
30/06/2016
www.versiprosear.blogspot.com.br
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