Perrengues culinários
Solange Amado
Pego um táxi. Inicio um papo com a motorista que se diz “uma
compradora compulsiva”, principalmente de artigos de cozinha, porque “adora
cozinhar”, e arremata com essa pérola: “Comprei recentemente um amolador de
facas e não consigo mais viver sem esse objeto”. Não imagino como uma pessoa
não possa viver sem seu amolador de facas. Bom, mas cada doido com sua mania.
Já tenho visto tanta coisa abacadabrosa nesse mundo que nem me espanto mais.
Na verdade, estou acostumada a todo tipo de sem jeiteza, de
todas as formas e tamanhos, mas minha relação de sem jeiteza com cozinha é algo
“hors concours”. É aquela velha história: “ninguém cozinha como eu cozinho”. Um
espanto. Em matéria de culinária, meu QI fica bem abaixo do nível do mar.
Pra ser honesta, não estou sozinha, quase toda a família
embarca nessa canoa furada. Só pra não pensarem que estou mentindo, minha tia,
que viveu desde os 13 anos num convento, pediu licença para sair e cuidar da
minha avó doente. No primeiro dia, marchou para a cozinha pra fazer um cafezinho
esperto. Botou água pra ferver, pegou o coador, daqueles antigos, de pano, já
manchados pelo uso e passou o café. Não saiu nada. Surpresa! Ela correu pra
vizinha: “Meu café não ficou escuro, tá todo branco!”. A vizinha detecta o
mistério. Ela não havia colocado pó. Então, vocês sabem, a sem jeiteza
culinária vem no DNA. Estou absolvida.
Vai daí que nem ouso viajar nessa maionese. Evito ousar nesse
quesito. Minhas mancadas são modestas. Mas tenho uma amiga que arrebenta em
gafes no quesito culinária. Uma vez, em desespero de causa, contratou uma
vizinha pra lhe ensinar a fazer bolos (o marido reclamava). E aí foram fazer um
bolo. Então tá. Ponha X de farinha de
trigo. OK. Leite. OK. Três ovos. Ploft! “Não. Separe a clara da gema”. E
pode-se fazer isso? Como? Depois do décimo ovo quebrado ela consegue. Bolo
colocado no forno, a vizinha vai em casa tomar um banho e recomenda que antes
de tirar o bolo do forno, enfie nele um palitinho que é pra ver se já está no
ponto. Tudo sacramentado, minha amiga pega um livro e espera. Quando a vizinha
chega, o cheiro alarmante toma conta da casa, e ela tira do forno um porco
espinho todo queimado. Havia pelo menos uns 15 palitos espetados no bolo.
Certa vez, um de nossos colegas da faculdade foi estudar com
ela. Compraram um pizza semi-pronta. Lá pelas tantas, deu fome. Servida a
pizza, meu colega abocanha um pedaço. Coisa esquisita. Estava pegajosa e
borrachuda. Claro, minha amiga não sacou que a gororoba tinha de ir ao forno
antes de ser comida. Era só esquentar e pronto! Tirante que os dois, de vez em
quando, faziam macarrão com um ebulidor (não havia panelas na casa). Pra evitar
que o macarrão enrolasse no ebulidor e o mesmo explodisse, fazia-se mister que
se revezassem com um palito na mão, impedindo que o macarrão se enroscasse na
haste da geringonça. Uma verdadeira operação de guerra. Já comi desse macarrão,
e como éramos jovens e famintos, achávamos o maior quitute do mundo: macarrão
de ebulidor.
Essa minha amiga até hoje passa perrengue. Tem 35 gatos e 5
cachorros, e como os cachorros são recolhidos na rua, não se acostumam com
ração; são alimentados com uma mistura de arroz com carne moída. A carne não dá
problema, basta dar uma leve cozinhada, mas o arroz decididamente fica na base
do “unidos venceremos”, se agarra no focinho dos bichos e eles vão limpar o
focinho no seu sofá favorito. Felizmente, nos dias atuais, uma boa alma lhe deu
uma panela elétrica de fazer arroz. Mole pra nós. Vai ver também vai servir pra
mim.
Pensando bem, não sou tão ruim assim. Faço café razoavelmente
e até coloco pó, e gelatina com pedacinhos de maçã, quitute pra ninguém botar
defeito. Faço torradinha com manteiga no jeito e aprendi a separar a clara da
gema. Pra que, eu não sei, mas um dia vai ter alguma serventia.
Maria Solange Amado Ladeira 28/06/2016
www.versiprosear.blogspot.com.br

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