Cultura


Postado em 08/06/2016
Cultura
Solange Amado

“Quando ouço a palavra cultura, saco logo o meu revólver”. Essa frase é frequentemente atribuída aos líderes nazistas Joseph Goebbels ou Herman Goering, mas veio de uma peça de teatro de Hanns Johst, teatrólogo nazista.  A origem não importa muito, mas procede, porque falar de cultura, falar de arte, é brabo.
Dizem que cultura é continuação, arte é ruptura. E o que isso quer dizer? Não sei e nem quero saber. Só sei que arte também é cultura. Mas ela não se contenta em ser coadjuvante, ela  vai lá e se impõe. Não vai de Maria vai com as outras. A arte vem, faz um corte na cultura e desvia o curso daquela coisa que vai caminhando na santa paz do senhor, e bota tudo na corda bamba. Desestabiliza aquela mesmice de faz de conta, mostra que não é só isso. As trincas começam a aparecer na parede branquinha e perfeita.
Não há como resistir, por mais que o “tô fora” seja um mantra do qual a gente lança mão pra manter o equilíbrio. Inútil. Nunca se consegue. Gente é irregular de nascença. Nem 25 anos de análise podem botar no prumo o edifício humano que foi feito para ser visto por vários olhares e de vários ângulos. E cada olhar faz um corte. E se é assim, melhor que cada um use seu “arte fatto”, feito de arte, como lhe aprouver. Ou, quem sabe, seja ele próprio seu artefato. Alguém tem alguma coisa com isso?
Vai daí que a mulher em questão, com 25 anos de análise, tomava um café no balcão de um bar (já uma transgressão porque ela estava proibida de tomar café), quando a jovem chegou. Também pediu um café. A cafeína as irmanou e começaram um papo. A garota se queixou que os braços coçavam de montão. “Alergia?” Perguntou a mulher? A jovem levantou a manga da blusa no lado esquerdo e mostrou uma tatuagem enorme, meio flor, meio borboleta, meio aranha, ou se quiserem, um morcego ensanguentado, descendo num rendado lúgubre pelo braço como uma ferida aberta. “Acho que a tinta não caiu bem, mas a tatuadora “é o bicho””! A mulher fez que sim com a cabeça. Acreditava. Só um bicho poderia desfigurar um braço daquela maneira. Mas enfiou a viola no saco dos seus 25 anos de análise e permaneceu calada que em boca fechada não entra mosquito e sorriu com cara de imbecil. A moça mostrou a perna direita, retalhada pelo sabre da “tatuadora que é o bicho” e informou solenemente que só está esperando que chegue da Alemanha uma tatuadora que “é muito mais foda” para esfaquear a perna esquerda e multicolorí-la com o mesmo tesão. “ A senhora já fez alguma tatuagem com uma pessoa tão talentosa?” A pobre mulher teve de admitir, meio envergonhada, que jamais usufruiu desse prazer.
Esse rabiscar na carne será arte? Acho melhor não comprometer uma senhora idosa. Nessa cultura ela não entra.
Uma vez, um aluno levou-a até a escadaria que levava  ao auditório, na escola  onde lecionava, para admirar o seu “artefato” era um penico tombado, com um pouco de guaraná fazendo as vêzes de xixi e de dentro, cocôs feitos de argila escorrendo escada abaixo por uns 365 degraus. Um espanto, para dizer o mínimo! O garoto estava extremamente orgulhoso da sua obra de arte. Antes de se recuperar da surpresa e colocar um ar, digamos, de neutralidade no rosto, foi-lhe explicado que arte, pelo menos o conceito moderno de arte, não tem nada a ver com beleza. Arte tem de impactar, incomodar, espantar, enojar, sei lá mais o que.
Então, o importante é ser arteiro. E isso basta. Já saquei que nem com 25 anos de análise, a senhora conseguirá definir o que seja arte ou cultura. E agora, José?
Pra consolo da velha senhora, Drummond foi considerado louco, imbecil e um péssimo exemplo para a juventude, ao fazer os críticos tropeçarem na sua pedra no meio do caminho. E olhem que não foi cocô descendo a escada.
De qualquer maneira, a velha professora não está sozinha. Millor Fernandes publicou uma variação da frase do teatrólogo nazista: “Quando ouço falar em cultura, saco o meu talão de cheques”. Mas ainda prefiro a variação produzida pelo Prof. Olavo de Carvalho: “Quando ouço falar em cultura, saco o meu papel higiênico”.
Cultura quando desanda haja papel!...



Maria Solange Amado Ladeira                        07/06/2016

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