Postado em 08/04/2016
Um parque de diversas corrupções
Solange Amado
Chutar o balde. Ela encolheu os ombros, respirou fundo e se
perguntou se tinha alguma escolha. Vidinha de interior, família grande, classe
média, pai viciado em honestidade e caráter, e então, aterrisou no Senado, em
Brasília. Grande achado pra quem esperava e sonhava botar pernas no
mundo.Parecia a completude. Dos pratos fundos do Senado e da Câmara, para a
história. Pelo menos, a história política do seu país. Tirante essa missão
patriótica, tudo era um Parque de Diversões, sempre sob a mira das câmeras, dos
fotógrafos, da mídia que estava lá, sempre de plantão e ela levando os
respingos da fama do seu senador.
Foi assim enquanto durou a inocência, o que ela denominou o
seu surto patriótico. Já devia ter desconfiado que o desastre seria completo. É
verdade que seus pais deram uma mãozinha considerável, quando num prurido de
exacerbada religiosidade lhe deram o nome de Santinha. Uma Santinha no Senado!
Convenhamos que, de cara, a saída (ou seria a entrada?) já foi queimada. No
começo, ela pensou que poderia equilibrar esse histórico de santidade e
inocência interiorana com o chamado jogo político, um eufemismo, agora sabia,
para o jogo perverso praticado pelos denominados representantes (nunca
réuspresentantes) do povo, do seu povo. Calculou mal. Quando o mal estar
começou a extrapolar o campo das emoções, e qual estouro de boiada começou a
pipocar pelo seu corpo com sintomas, os mais estranhos, compreendeu que tinha
uma escolha: chutar o balde. Ou vai à merda o Senado, ou a Santinha vai à
merda, com todos os seus sonhos, seus princípios de ordem e progresso num país
varonil chamado Brasil.
Não era difícil adivinhar, quando desembarcou de mala e cuia
naquele Parque de
Diversões de Neros e Césares, que sua inocência seria bastante chamuscada, mas
não esperava queimaduras de terceiro grau. Primeiro embarcou nos altos e baixos daquela montanha russa de
contradições, conchavos e interesses. Entrou de sola e fechou os olhos, que
encarar montanha russa de olhos abertos é suicídio; tentou apenas administrar o
friozinho na barriga de viver no fio da navalha, mas mesmo de olhos fechados, o
rei continuava nu. Nu e de mãos no bolso, de vez que embolsava quantias cada
vez maiores. Resolveu tentar a roda gigante, mais calma, mais suave, mas
encarar o abismo a seus pés acendeu uma luzinha vermelha no seu cérebro: o
tombo pode ser grande (vá você desembarcar de uma roda gigante em
movimento...), e o rombo que aquela roda produzia era meio assustador. Daí,
achou mais prudente embarcar em algo menos perigoso: o trem fantasma. Foi uma
débil tentativa de descobrir por ali, algo que andasse nos trilhos.
Inutilmente, de vez que descobriu bem cedo que tinha tanto fantasma naquele
trem que quase não conseguia embarcar: funcionários fantasmas, empresas
fantasmas, contratos fantasmas. Achou melhor desembarcar, antes que fosse
engolida por toda essa fantasmagoria. Resolveu então, tentar as canoas que despencavam em formidáveis
quedas d’água. Pura adrenalina e diversão! Só pra perceber rapidamente que não
havia como não sair bastante respingada, e a canoa que lhe coube estava
definitivamente furada. Desistiu ao descobrir que cachoeira não era o seu forte.
Constatou que por terra, água ou ar, o grande Parque de Diversões chamado senado
brasileiro estava cercado, não sabia se pela cavalaria americana ou pelos
índios sioux. E aí? Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Não
importava nem se alguém ia pegar ou comer. Aquele Parque de Corrupções estava
atravessado no seu gogó e no gogó de todo o povo brasileiro que, mesmo
engasgado, não acha de bom tom vomitar a sua indignação naquele prato indigesto
de Brasília, que pode ser tudo, menos santinha.
Maria Solange Amado Ladeira – www.versiprosear.blogspot.com.br
09/08/12
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