Um namorado de outro mundo


Postado em 07/04/2016
Um namorado do outro mundo
Solange Amado

Algo que sempre me causou espécie quando jovem foi a desconfiança da minha família com relação  às minhas escolhas amorosas. Bastava eu aparecer em casa com alguma criatura, no entender deles meio híbrida, pela qual eu já havia caído de amores, que lá vinha o familierê cair na minha pele; meu pai jurava ter o espécime surgido do além e possuir um QI muito abaixo do nível do mar. Lembro-me em especial, de um que meu irmão, expert em me enfurecer, após dar uma olhada rápida na embalagem com a qual o pretendente se apresentava, algo assim como um sósia do Raul Seixas, murmurou no meu ouvido, parodiando Agripino Grieco: “se alguém comer os miolos dessa criatura, pode comungar logo em seguida, que estará em perfeito jejum”. Por aí, pode-se notar que nunca fui muito confiável pros parentes serpentes, em matéria de julgar os pretendentes que batiam à minha porta. Aliás, para a minha família, eles se dividiam em duas categorias: metade  assemelhava-se ao gênio maluco e a outra metade era mais chegada à imbecilidade total. Nunca consegui satisfazê-los em matéria de escolhas amorosas. Até o mês passado, quando aconteceu. Foi numa noite longa, quente e abafada que, enquanto eu lutava contra a minha insônia, ele pousou no meu terreiro. Uma luzinha verde atravessou as cortinas e tomou conta do meu quarto. Esfreguei os olhos, estaria eu sonhando? Espiei pelas frestas da janela, ele estava parado ao lado da sua nave, olhava para cima fixamente, para a minha janela, no segundo andar, uma linda criatura, um homem alto, forte, resoluto, uma criatura meio néon, emanando luz e charme por todos os poros. Não obstante minhas ligações pouco ortodoxas do passado, não obstante as duas anteninhas que se movimentavam na sua testa como galhos ao vento, não obstante os olhinhos enviesados, nada naquela criatura era oblíquo.Esse era um homem direto, transparente, sem vírgulas; um homem apaixonado que não hesitou em estacionar no meu terreiro, olhar direto para onde dormia a sua amada e sacudir as anteninhas em uma comunicação subliminar que fez tremelicar todo o meu ser ao decodificar a mensagem daquele extraterrestre consumido pela paixão. É verdade que no quesito indumentária, o antigo espécime Raul Seixas provavelmente perderia o primeiro lugar para alguém verde néon com anteninhas, mas ninguém, até hoje, me arrancou suspiros e me transportou às galáxias só com seu olhar esverdeado. Tá certo, dirão vocês, não tem nenhuma graça o rala e rola com um ET. Será? Mas isso não importa nem um pouco porque a minha vingança por não ter acertado , aos olhos dos outros, as minhas escolhas, é que não preciso, e nem vou explicar um ET para leigos. O bom de um ET que aporte no seu terreiro, atravesse a sua janela, pouse no seu coração e no seu corpo, é que o real se torna algo tão fora dos esquadros, que é supérfluo existir. Descobri que prá namorar um ET, é preciso só ficar ANTENADO.    Ma. Solange-19/04.

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