Solidão digital


Postado em 27/03/2016
Solidão digital
Solange Amado
Fico às vezes assuntando sobre esse negócio de ser solitário. Num mundo em que a comunicação é abundante e imediata, onde as distaâcias ficaram pequenas, onde o olho das câmeras está sempre nos conectando,nos acompanhando, botando reparo em nós; como é possível que impere a solidão? Como é possível que, paradoxalmente, a comunicação nos leve a um sentimento de vazio e a uma solidão extrema?
Vejamos: Festa do pijama. Umas seis garotas se espalham pelo minúsculo quarto, todas em roupas de dormir. Colchões cobrem todo o espaço do chão. Ouço risadinhas esporádicas atrás da porta fechada.
Do lado de fora, eu e a mãe da aniversariante, com as mãos ocupadas por um monte de guloseimas, esperamos respeitosamente uma hora propícia para entrar naquele santuário adolescente. Era a noite delas. Uma oportunidade única para uma deliciosa troca de fofocas; aquele ti ti ti esotérico, do qual nós, adultas, estamos alijadas solenemente. Podemos? A invasão daquele gineceu iria perturbar o clima daquela alegre confraternização de 14 anos? As risadinhas continuam. Em qualquer idade, mulheres quando se reúnem gastam quantidade incomensurável de saliva. Valia tentar. Era por uma boa causa. Abri a porta. Ninguém notou. Ninguém sequer levantou os olhos para as bandejas que eu carregava. Sentadas, cada uma no seu  cantinho, olho no smartphone, dedinhos nervosos voando pelas teclas, risadinhas solitárias, esporádicas, as meninas se confraternizavam no melhor estilo era digital.
Dei uma volta na linha do tempo, animal em extinção que sou. Beijos, abraços, toques, empurrões, olho no olho recheavam as nossas festinhas de jovenzinhas em flor. Não que o toque não exista mais, só que tem uma nova roupagem. Até D+. Beijo virou bj, toque virou tq ou mais especificamente tc (teclar) já que tocar é meio antediluviano. Hay que economizar energia. Economiza-se o olho pra telinha, o toque dos dedos se guarda pra catar o milho das letrinhas. E a palavrinha pra amigo, companheiro, camarada, irmão? Aquele do qual se ouve a voz, se sente o calor, aquele que oferece o ombro à nossa dor, aquele que nos olha nos olhos e cujo olhar nos dá a certeza de que o peso da cruz vai ser aliviado em alguns quilos.
Podem dizer que esta é a preocupação de um animal paleolítico, pouco afeito a mudanças e às modernidades da cultura. Mas me encho de receios quando ouço a última proeza do meu sobrinho- neto, do alto dos seus frescos dois aninhos em flor: na hora do almoço, como soi acontecer com os pais, para que ele coma sem saber que está  passando pela provação de se alimentar (hay que anestesiar a criança), a mãe lhe entrega o celular, acessa um desenho animado com uma porquinha mal desenhada que se chama Peppa, e alí ele fica de olho vidrado nas façanhas repetitivas da personagem, enquanto abre a boca de forma automática para receber as colheradas. Dias desses, a mãe se ausentou em viagem por uma semana. Ao retornar, cheia de saudades e ansiosa por ver o filho, abriu a porta da casa e o encontrou na sala, passando aflito o dedinho pela tela apagada do celular. Não se contendo, ela se agachou, abriu os braços  e gritou: “Mamãe chegooou! Venha me dar um beijo!”. O garoto lançou-lhe uma breve e desinteressada olhadela e disse: “Não posso. Tô ocupado, “poculando” a Peppa.”
Bem, como diz a minha faxineira, “tem precisão” de mais palavrório sobre a vocação dessa geração para a solidão? E essa rima se encaixando macia que nem manteiga, não seria um sintoma?








Maria Solange Amado Ladeira                       9/06/15

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