Postado em 28/02/2016
Pode ser a lua?
Pode ser a lua?
Solange Amado
Não culpo a lua. Não é responsabilidade dela. Não quero ser
injusta. É verdade que em matéria de esforço e trabalho, ela está mais pra
baiano do que pra paulista. A maior parte do ano, ela vagabundeia pelo céu,
morcegando atrás de algumas nuvens, e com muita sorte, a gente consegue ver um
pedacinho da sua perna. Não sei se ela é uma muçulmana pudica ou faz isso de
esperteza. Golpe do Joãozinho sem braço. Bela estratégia para enganar os mais
incautos. A lua sempre se comporta como uma mulher histérica: mostra e esconde,
vem e vai, finge e se assume em todo o esplendor, engana e se mostra em
plenitude, mas nunca é uma certeza.
Não a culpo, porque não é fácil viver sob as luzes da ribalta
o tempo todo. Servir de referência, quando a única coisa que se quer é
simplesmente existir sem maiores responsabilidades. Dir-se-ia que ela pertence
à família real britânica, tantos são os paparazzi que insistem em filmá-la,
fotografá-la, examiná-la, se hoje está gorda, amanhã magrinha, se sorri, se
brilha, se se esconde, se faz um tipo, se é confiável (sem contar que os paparazzi
ingleses vão mais adiante, sempre checando quantas vezes São Jorge cai do
cavalo e sobe no cavalo pelos anos afora, ocupação principal da realeza
britânica).
E os apaixonados pelo mundo inteiro exigem dela uma
performance perfeita, pelo menos algo que justifique a deliciosa babaquice que
se apodera deles, como um gigantesco tsunami amoroso.
Mas eu não culpo a lua. Ela pode ser instável, mas é fiel.
Ela agüenta o tranco, a chatice de tanta exposição, mas não abandona a arena. Vai
indo aos trancos com seu espetáculo intermitente, que não sai nunca de cartaz e
é sucesso garantido no script dos amantes.
Continuo não culpando. Nem depois daquela noite, quando ela
nos espionou descaradamente, aplaudiu e encorajou, e ainda nos fez acreditar
num final feliz. Uma noite completa. Um completo e absoluto desastre nos anos
que se seguiram.
Às vezes é assim. A lua é só uma lembrança brilhante e doce.
A gente espera demais dela, uma cumplicidade que não existe, uma garantia que
ela não pode dar. Mesmo assim, a gente espera. E por que não? Se até o amor é
de lua. Por que não?
Maria Solange Amado Ladeira -
17/09/13
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