O próximo verão


Postado em 25/02/2016
O próximo verão
Solange Amado
É bobagem. Vocês nunca verão meu verão, pelo menos aquele que eu desejo, o sol só nasce dentro da alma, as ondas só quebram na areia do meu coração, o calor só aquece as minhas entranhas. Boto um biquíni de esperança e me deito ao sol do dia a dia.
Todos os anos, quando o frio vai a nocaute e beija o tatame com um golpe certeiro do sol, mergulho num mar de planos. Passo a passo, o calor vai impondo o seu jogo. É então que começo a aquecer as turbinas e me permito sonhar. Sonhos que não decolam.
Ora, dirão vocês, por que não sonhar no inverno? Não posso dizer com certeza por que não se deve sonhar no frio. Talvez seja porque só no verão os sonhos quebram o gelo, e só quando derretemos as calotas polares e duras da realidade, as coisas podem deslizar e escorregar para mais além, lá onde existe o inesperado de um beijo ardente, um abraço apertado, pernas entrelaçadas e um, quem sabe, cafuné, antes do sono eterno.
É verão. E eu posso me despir das minhas defesas, e brincar de menina, pés descalços, cabelos ao vento, fruta no pé; posso ser jovem adolescente saboreando de pernas bambas o primeiro beijo no escurinho do cinema. E eu nunca sei se o chão está estremecendo com o tropel da cavalaria americana ou com as batidas do meu coração.
É bom que se diga que,naqueles verões de antanho, o meu coração  batia. Assim forte, acelerado como as patas dos cavalos esmagando os pobres índios sioux.
Não que não bata agora, ainda com certo melancólico frisson, ocasionalmente. Mas depois de tantos invernos congelado, o coração precisa de muitos tórridos verões para incrementar um degelo efetivo. Um degelo de beijos no escuro e murmúrios entrecortados de borboletas na garganta.
Pois eu decretei que esse será o meu verão do lápis vermelho. O verão em que irei me apaixonar pela vida, e viver um arco- íris de emoções desenfreadas. Verão de entrelaçar pernas, desejos e sonhos. Verão de cavalaria americana desembestada montanha abaixo pra salvar a minha vida da compostura da meia- idade.
Vou entrar de cabeça numa paixão ridícula, e cair de quatro no alçapão do destino. Vou me vestir de lantejoulas e me estirar ao sol para que elas brilhem. Vou pintar os lábios de vermelho- sangue, os cabelos de verde e distribuir olhares de vai e vem como as ondas do mar, mordiscar o dedo indicador e distribuir com olhos lânguidos o meu desejo pra quem quiser colher.
Vocês verão. E mesmo que não enxerguem, vai ser um verão sem as amarras da idade. Mesmo com juntas endurecidas, vou saltar de paraquedas no coração de alguém e fazer a festa. E antes que se torne uma lembrança longínqua, o sexo selvagem vai ser a estrela da estação.
E se algum de vocês tiver o impulso de me apontar o real, já vou avisando que é inútil. O processo é irreversível. Os primeiros sinais de degelo já se fazem sentir. Com tantos sonhos oblíquos, nenhuma Capitu dissimulada vai trair meu sonho de verão.


Maria Solange Amado Ladeira                                   

15/10/13
www.versiprosear.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário