Inspiração ou conspiração?
Solange Amado
Se você pensa que é fácil, não é. Inspiração não dá em jabuticabeira, não é
redondinha e preta. Aliás, enquanto sementinha, não tem cor nem forma; tem
suor. Poreja e dá comichão no cérebro e, que nem brotoeja, coça, incomoda.
Coceira de bicho de pé. A princípio só uma coceirinha boba, o prazer de um feto
que se mexe nas nossas entranhas. Insiste. E é aí que se torna incômoda.
Insiste, persiste. E é aí que vira gozo dolorido, algo que abre caminho à
força, tímido a princípio e insolente na urgência, a urgência em tomar uma
forma. O caminho é tortuoso.
As palavras são duras
como paralelepípedos que teimam em não se ajustar muito bem uns aos outros. Mas
é preciso pavimentar o caminho. Alguém vai percorrê-lo. Você? Eu o atraio com
palavras. Eu o traio com palavras. É um engodo, não percebe? Você embarca como
um patinho e eu já não tenho freio. Quero enganá-lo. Quero que você percorra
esse caminho pavimentado com as palavras que escolho. É um vício. Nós dois nos
embriagamos juntos com uma aguardente de letras. Nos desequilibramos
precariamente nas curvas das frases, lambemos as palavras, escorregamos no
sentido, mas, vamos em frente como dois bois de canga. Em breve não haverá mais
eu e você. Há a pavimentação de um texto que nos amarra e que nos faz cúmplices
nesse ato de criar. É você que me segura. É você que toma essa sopa de letrinhas.
E você chama de inspiração. Talvez seja conspiração, depuração, expiração e
sobretudo, piração.
As palavras estão
soltas e o que faço, como Joãozinho e Maria é construir com elas uma trilha,
jogá-las no papel como bolinhas de pão, para que você percorra essa pista e encontre um sentido, que não é o meu, nunca
foi. Eu só pavimentei a pista, quem deslizou por ela foi você. Mas esse
desencontro nos faz parceiros nessa compulsão de sentido.
Que direção vou tomar?
Não importa, não me preocupo com isso. Por mais que eu tente levá-lo a um rumo,
e qualquer que seja a velocidade, você encontrará sua maneira particular e
estranha de entrar nessa parceria. As palavras não são minhas, se quer saber, nunca foram, tomei posse delas
por alguns segundos e as arrumei só para seduzi-lo. E aí me acostumei, me
apeguei, pensei que poderia ser proprietário delas, mas cedo percebo que sou só
o próprio otário . Elas vivem,
independente de mim. No fundo, no fundo, sou só uma cafetina das letras. É você
que escolhe como quer usá-las. Não me jogue a responsabilidade.
O caminho das pedras é
falso. Prefiro construir uma jangada. Deslizo nela por esse mar de frases, de
palavras, de letras, e é tão frágil essa travessia que nós dois podemos nos
afogar. Todo cuidado é pouco. Se a jangada virar, respire, só inspire se chegar
à tona.
E se você pensa que é
fácil, pode pegar as rédeas que eu não vou nas suas águas. Afogue as suas
mágoas. As minhas sabem nadar.
Maria Solange Amado Ladeira – 12/09/12
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