A Barroquice do mundo

A barroquice do mundo

Solange Amado 

Paradoxal, hiperbólico, cheio de antíteses e prosopopéias. Mais do que isso. Não tem fundo. E a acreditar em Carlos Drumond de Andrade, se eu me chamasse Raimundo não ia contribuir em nada para melhorar essa imagem meio borocochô, meio fora dos esquadros dessa bolota sem solução que nós habitamos. Os poetas podem chamar o mundo, elegantemente, de barroco; pra mim é só um bar oco, onde nós todos vivemos um tanto embriagados de nonsense, de vez que cada um deve arranjar um jeito de conviver com esse jogo de ambigüidades que se chama viver, até que, devagar, de preferência bem devagarinho, se vá ao cemitério. Muito simples. Complicado é o “arranjo” que nós fazemos.
E é na pachorra de um fim de tarde, quando começo a ler no jornal tantos descalabros e a filosofar se não abriram a porteira do mundo e a boiada anda escapando numa carreira desabalada e sem direção, que me deparo com essa barroquice explícita. O linguajar pode não ser rococó, mas a situação é de se boquiabrir de tão rococolesca.
O “imbròglio” se passa na cidadezinha de Aquiraz, no Ceará, entre a Igreja Universal do Reino de Deus e seu vizinho, um cabaré muito freqüentado da cidade. Ambos, Igreja e Cabaré, mantiveram até agora, uma inimizade cordial. A Igreja rezando pela conversão dos seus próximos pecadores e estes se lixando pelo estado precário de suas almas ou pelo incômodo que podiam estar causando aos vizinhos. Lá estavam os dois naquela convivência meio surreal quando D. Tarcília, a dona do cabaré, diante da crescente demanda pelos serviços do seu estabelecimento, motivada pela criação do seguro desemprego para pescadores e de várias bolsas disponibilizadas pelo governo, resolveu promover a expansão das suas instalações. Pronto! Era o que faltava pra Igreja chiar. Mas nem por isso d. Tarcília se abalou, iniciou a construção que lá ia célere, de vento em popa. Por sua vez, a Igreja deu o troco, iniciou uma cruzada de cantoria e orações, manhã, tarde e noite, pedindo que um raio pusesse fim àquela cruzada pecaminosa.
Não se sabe exatamente se o Senhor achou por bem escutar a litania  ou se a natureza cedeu à pressão enlouquecedora dos freqüentadores do templo, o certo é que, inacreditavelmente, um raio veio vindo e como um míssil certeiro, causou um incêndio monstro, destruiu telhado, paredes, etc. e lá se foi pro brejo a expansão do cabaré da d. Tarcília.
E aí virou briga de cachorro grande. D. Tarcília, cheia de cabelo nas ventas,entrou na justiça responsabilizando a Igreja pelo raio que atingiu o seu estabelecimento, acusando-a de ter se utilizado  da “intervenção divina direta ou indiretamente  para as ações e meios” que teriam provocado o incêndio, ou seja, a Igreja se utilizou de sua situação privilegiada na interlocução com o Senhor pra mandar o raio deter a expansão pecadora.
Queda de braços. A Igreja alega inocência e nega que tenha todo esse poder. D. Tarcília finca pé. E a justiça ainda busca uma solução.
O Juiz, que provavelmente precisará de toda a ajuda do Espírito Santo para lançar alguma luz nessa briga de vizinhos, na audiência de abertura do caso já manifestou a sua estupefação ao declarar nunca ter visto “uma proprietária de cabaré que firmemente acredita no poder das orações e uma Igreja inteira declarando que as orações não valem nada”. Esse é o tamanho da encrenca.  Uma bizarrice com a maior cara de poema barroco. E ainda dizem que no Ceará não tem disso não.



Maria Solange Amado Ladeira -                      18/06/13

www.versiprosear.blogspot.com.br

2 comentários:

  1. Que delícia de leitura. Aquele tipo de delícia seguida de gargalhada.

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  2. Obrigada Raquel. Sempre bom ouvir algo positivo.

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