Manhã ensolarada. Saio do banho,
junto a minha roupa espalhada pelo banheiro, atravesso a casa, abro a tampa da
lata de lixo e despejo tudo ali. Foi só um branco, dou meia volta, pego de novo
a roupa e boto no cesto de roupa suja. Melhor não dar importância a esses
pequenos lapsos que têm me ocorrido. Pra todos os efeitos, Freud explica esse
gesto, consolo a mim mesma. Vai ver, ando cansada de mim ou das minhas roupas.
Volto ao banheiro, procuro os meus óculos. Cadê? Ando pela casa removendo
almofadas, enfeites, abro gavetas e armários e nada. Abro a geladeira e procuro
entre frutas e legumes, mas não dou sorte. Às vezes eu o encontro em locais
nunca dantes navegados, mas desta vez estava pendurado no meu pescoço. Ando
mesmo muito distraída. Nada preocupante.
O telefone toca, pego o controle
da televisão e atendo. Semana passada
fui almoçar em um restaurante, mas esqueci a carteira no carrinho de
Supermercado, além de botar sal no meu toddy. É, eu gosto de toddy e ninguém
tem nada com isso, tirante a minha endocrinologista. Ela acha que toddy é um
alimento muito infantil, e cheio de calorias, devo substituir por alpiste, três
vezes ao dia. Faz parte de sua campanha para que eu emagreça e seja infeliz
para sempre.
Melhor esquecer as preocupações e
tomar um café quentinho, lembrem-se, toddy é pra criança. Boto a água pra
ferver e vou para o computador compor um texto, ou pelo menos tentar, afinal,
como diz um amigo meu, escrever à mão pertence à era paleológica. Duas horas
depois, descubro que não tenho nada contra a era paleológica e que a água
secou. E vou procurar uma caneta e o endereço de um geriatra.
Marquei a consulta com urgência,
às 8 da manhã, afinal, resolvo que esses são sintomas sérios de demência senil.
Todo cuidado é pouco. É verdade que nunca me notabilizei pela capacidade de
concentrar a atenção e o meu feito mais famoso no que tange a esse capítulo foi
durante um enterro, ao cumprimentar os parentes do morto, apresentei compungida
as minhas... congratulações, arrematando com um sonoro “meus parabéns!” É verdade que o velório mais
parecia um piquenique, todo mundo comendo e bebendo, mesmo assim, meus amigos
não me perdoam, de vez que a saia justa respingou neles. Fazer o que?
Mas e o geriatra? Vai bem
obrigado. Tivemos uma breve conversa, levei uma meia hora botando reparo nas
suas reações e nas suas queixas e conclui que seu nível de stress estava tão
alto que não valia a pena acrescentar mais mazelas ao seu cotidiano. Esqueceu
de me dar a receita e esqueci de solicitar.
Naquele dia resolvo que, se é pra
combater o stress é mais negócio assistir a um show do Quarteto em Cy, que
ainda bate um bolão, sem nenhuma demência, espero. Pego o elevador, e no décimo
andar entra minha vizinha, uma morena jovem, bonita e elegante, perfume e
saltos altíssimos, nós nos cumprimentamos e no mesmo instante percebo que
qualquer coisa está errada. Nossa amiga elegantérrima traz, pendurado no braço,
um saco de lixo, o plástico é transparente e vejo restos de comida e cascas de
banana. Devo dizer que isso pra mim, não é exatamente uma surpresa: quando fiz
um estágio de um ano no Hospital Raul Soares, me acostumei com a cena de
inúmeros pacientes com seus camisolões disformes, passeando com uma sacolinha
na mão, cujo conteúdo variava, pedaços de barbante, pau de picolé, carretéis
vazios, etc. Eles jamais abandonavam seus embrulhinhos. Era a sua defesa contra
a despersonalização que a instituição lhes impunha. Mas, confesso que era a
primeira vez que eu via alguém sair pra balada, com restos de comida e cascas
de banana à guisa de bolsa. Como em boca calada não entra mosquito, surto
psicótico ou não, resolvi manter o silêncio. Foi quando o elevador alcançou o
térreo que ela olhou pra o próprio braço e deu um berro: “Meu Deus, minha
bolsa!”
Fiquei curiosa
pra saber se conseguiram resgatar a sua bolsa e , o mais importante e causa do
seu maior desespero, se seu celular resistiu à queda de 10 andares. Fiquei
compadecida. Sem celular, o jovem perde
uns 90% da sua potencia.
Garanto pra
vocês que não sou perversa. Não desejo mal pra amigos e inimigos, mas saí desse
incidente com alma lavada.
Demência senil
ou demência juvenil? A coisa anda tão esquisita que todo mundo periga confundir
cantor de programa com canteiro de por grama.
Cadê meus
óculos?
Maria Solange
Amado Ladeira - 23/03/13

Maria Solange,
ResponderExcluirSou amiga do Sebastião (Tião) e através dele ,que me passou o seu blog, tenho lido suas crônicas e amado. Leio-as aos poucos e me delicio com seu senso de humor e com a leveza com que você escreve. Parabéns.
Ivone