Quando as palavras fogem


Solange Amado Ladeira

Confesso que sou ciumenta das minhas palavras. Não as entrego fácil. Todo mundo sabe que as palavras são coloridas, mas, as minhas também são quentes, frias, mornas, geladas, são alegres, irritadiças, tristes, assustadas, medrosas. Como não ter medo de que elas sofram com algum leitor negligente? E o que dizer dos que podem usá-las de forma pouco ética, ou maltratá-las por pura maldade? Tenho a dolorosa impressão de que longe de mim, elas embarcarão numa espécie de nau sem rumo, uma vida miserável e sem teto. Gostaria que existisse um Procon de palavras. Algo que me dê garantias de que elas  terão um tratamento digno e humano. Palavras são rebeldes, são adolescentes sem juízo. e sabe-se lá o que poderão fazer longe de mim. Uma orgia, uma esbórnia de significados que ultrapassam em muito meus esforços em mantê-las sob controle. As palavras fogem de mim. Preciso me assegurar que elas vão transmitir aos outros, exatamente o que eu quero dizer, refletirem  “a educação que eu dou prá elas”. Tenho uma página definitiva, mas, descubro que as minhas palavras não são definitivas, e nem são minhas, são palavras prostitutas, cada um faz delas o uso que quer. É meio revoltante. E nesse momento, mais do que nunca, consigo entender Marguerite Duras quando diz: “O livro está pronto. É preciso se separar dele, é preciso dá-lo, os livros deixam você assim, às vezes abandonado, não se sabe o que aconteceu” Também as minhas palavras me abandonam sempre. E eu nunca sei o que aconteceu.
31 de março de 2014
Solange Amado

Nenhum comentário:

Postar um comentário