DE
CELULARES, AMORES e GOZOS
Todo mundo sabe que
amor é algo meio ridículo. É só botar reparo nos arrulhos de um par apaixonado. Que o diga minha tia,
que chegou bem perto dos 100 anos. E ainda muito jovem, resolveu se encerrar
num convento. Foi ser freira.
Quando ainda muito
jovem, seu quarto tinha janela alta dando para a rua. Todas as noites, um
casalzinho vinha namorar debaixo da sua janela. Tempos brabos em que o máximo
que uma donzela pudica podia ousar era um beijo furtivo, mãozinhas entrelaçadas
quando longe dos adultos, no mais, era o coração palpitante e as pernas bambas
pela ousadia de estarem a sós sem o monitoramento incansável das famílias,
zelosas da honra da garota.
Toda noite era a mesma
toada. Minha tia tentando conciliar o sono, e o casalzinho arrulhando embaixo
da janela. O cavalheiro tentava bravamente roubar um beijo da donzela, ou uma
tímida apalpadela. A dama resistia, o cavaleiro insistia. E esse vai não vai ia
pela noite adentro: “ Só um beijinho”... “Não”...”Só na orelhinha”... Ah!
Não!”...”Deixa”... “Tira a mão"...Não me admira que minha tia tenha
preferido o convento. Pelo menos lá, ela dormia sem esse tatibitate amoroso
debaixo da janela.
E se jovens apaixonados
arrulham. Imaginem se aos arrulhos se soma aquele aparelhinho viciante chamado
celular. Aí dá para se encerrar num mosteiro tibetano.
Ainda outro dia, peguei
um ônibus e me acomodei ao lado de um adolescente com esse indefectível
aparelhinho nos ouvidos. O trajeto era curto. Enquanto o ônibus se movia
rápido, a conversa ao meu lado não saia do lugar: “Anda, desliga, meu
bem”...”Não, meu amor, eu não vou desligar. Da última vez você disse que eu
desliguei na sua cara”... “Desliga, docinho”... Não. Não vou”... A trilha sonora
podia ser o bolero de Ravel.
A essa altura, eu é que
tentava inutilmente me desligar. Meus instintos assassinos afloravam
rapidamente. Felizmente, antes que eu pulasse no pescoço do gajo, chegou minha
vez de descer. E fiquei sem saber quem ganhou aquela queda de braços.
Uma semana depois,
entro num ônibus, havia uma vaga ao lado de um rapazinho. Um sinal vermelho se
acende em mim. Por precaução, sento-me ao lado de uma senhora. Mais seguro.
Logo, o celular dela toca. E o drama começa aos berros: “O que? Ele tornou a te
bater? Chamou a polícia?”... “Ah! A polícia já chegou? Levou ele preso?”...
“Meu Deus! Você retirou a queixa de novo?”... “Eu avisei que você ia se
acostumar. Você não passa de uma sem vergonha! Trancou a porta? Ele entrou pela
janela?... Péra aí, deixa eu falar com o polícia”... “ô seu guarda. Isso não
presta nem pra jogar fora, mas minha filha gosta dele...Lei Maria da Penha
nele”... “Eu sei, seu guarda, mas com queixa ou sem queixa, ele precisa ir para
a cadeia... Chama ela de novo!”... Do lado, eu tentava fazer cara de paisagem e
manter minha fleuma britânica. Difícil quando um barraco se desenrola ao nosso
lado. Felizmente, o ônibus parou no meu ponto e dei o fora rapidamente sem
saber se ia ou não dar lei Maria da Penha.
Mas se acham que me
livrei desse maldito celular, podem se sentar que em pé se cansam. Ontem,
tornei a pegar um ônibus. Transito das 6 horas, trajeto longo. O ônibus parecia
um dromedário cansado. Ia se arrastando. Não tinha muita gente e me sentei-me
ao lado do trocador. Ali estaria protegida. Abri meu livro. O celular dele
tocou: “ Oi. E aí, cara!”... “Calma, cara, está nervoso. Por que?”... “Não,
véi, ela é que me beijou. Eu não beijei ela”... “calma, cara, a gente é amigão,
cara. Né nada que cê tá pensando”... “Deixa eu te contar. A gente tinha bebido
de montão. Eu tava chapadão e ela tava malucona. Aí ela me chamou para cama. Aí
eu fui”... “Não. Calma! Deixa eu acabar. Ela me chamou. Eu fui. Aí, cara, ela
pegou a dormir. Eu falei: como assim?”... “Não véi, não teve nada, só pegação.
Ela dormiu, cara!”... “Foi só pegação, mais nada. E eu nem sabia que você era
assim tão afinzão dela”... “Se eu soubesse”... “Ô cara, vamos “tomar umas” na
quinta. A gente é amigo pra caralho”... E aí, o ônibus chegou ao meu ponto e eu
desci sem saber como é que acabou a
história do chapadão e da malucona. O amigo corno aceitou “tomar umas” na
quinta?
O que me irrita nesses
pedaços de conversas amealhados nos ônibus e nas calçadas é que elas funcionam
assim como um “coitus interruptus”. No melhor da festa, a gente é deixada assim
no vazio, esquecida que nem abóbora da janta.
Vocês imaginam que
hoje, na hora do almoço, a jovem da mesa ao lado, aparelhim no ouvido, mandava
essa: “Olhe, se você disser que lhe contei isso, eu nego até morrer. Mas você
sabia que o namorado dela é gay?”Ato contínuo, levantou-se e saiu.
Como é que eu vou poder
dormir à noite, levando essa vida de
coelho,vai ser bom não foi?
É isso aí. A ordem hoje
em dia é ficar só nas preliminares. Recolher o tesão, abortar o movimento, que
o celular só permite cutucar, o resto a gente tem de recolher.
Então, curiosidade
recolhida, só me resta fazer o que fez a malucona na cama com o chapadão:
dormir. Ou ficar na pegação. O que será?
Ato contínuo, sinto
dizer que vocês vão ter de ficar só na imaginação. Tô descendo do ônibus.
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