A ideia que brota


É uma flor, e não nasce no asfalto. É uma flor mais humilde e muito mais discreta, porque brota como uma ideia. Uma ideia- flor.
Eu não tenho nenhuma esperança quando planto essa sementinha na cachola, que ela crie raízes e desabroche. É pura sorte, ou se quiserem, o desespero. Com aquele cão danado da urgência no meu calcanhar, é pular no vazio. Na verdade é pular ou pular. E eu já pulei muitas vezes. E pulo. Porque não me resta outra solução. Minhas ideias são suicidas.
Podem pensar que, quando o tempo urge e alguém deseja um jardim, é só semear que nasce um lírio do campo, orgulhoso, elegante ou uma pequena edelweiss, delicada na sua pureza. Tão belos em sua brancura.  Tudo muito fácil.
Não é. Eu diria que, minha flor, nascida dessa urgência, está mais pra Maria- sem- vergonha. Não por ser dadivosa e sempre pronta a ser colhida por qualquer um que cismar de fazer uso dela. Não pode. Ela resiste. A sem-vergonhice vem mais da gratuidade de aparecer meio assim do nada. De ser assim sem frescura e aceitar qualquer adubo, qualquer continente, qualquer tempo, por mais seco que seja. Mas não pensem que ser simples significa ser fácil. Se não for bem tratada, a sem vergonha murcha. Não tem ideia que resista à monotonia cerebral. Essa é a maior preocupação.
Hoje eu cismei de dar à luz uma flor- de-maio. Nada de brancura, pureza ou sem-vergonhice. Eu queria impactar, pegar a frescura de maio e espantar o azar de agosto, misturando os perfumes e cores de uma ideia- flor, que desafiasse o desespero, a angústia, a depressão, o marasmo de ser igual a todo mundo. Daí uma flor-de- maio em agosto. Ela é teimosa, não aceita o lugar- comum. Daí, dribla o mês...mo.
Pode ser pouca coisa. Mas não é. Planto a semente, boto um pouco d’água e espero. Não posso forçar a natureza. De hora em hora, boto reparo na terra onde a minha sementinha foi escondida. Ela se faz de rogada. Mas  não por muito tempo. Brota meio contrariada com a minha teimosia, mas brota. Às vezes se expande numa flor cheirosa. Na maioria das vezes permanece meio mirrada.
Não carece de chamar  polícia, bombeiros, ambulância. Não carece de impor silencio ou botar a boca no trombone sobre como minha ideia- flor pode vingar em terreno tão pedregoso quanto é o meu cérebro.
Ontem vi uma flor colorida, perfumada, saudável, entre os trilhos de uma linha de trem. Um momento fugaz guardado nas retinas. Cumpriu seu papel. Não importa quanto tempo resistirá antes que a composição a esmague. Está lá, impávida. Acenando com um “nem te ligo” para as possíveis ameaças.
Não sei se minha ideia- flor é assim tão bonita, tão cheirosa, tão forte, e se consegue encher de beleza o asfalto sujo do nosso mundo interior. Mas vou contar aqui um segredo. Eu costumo transplantá-la dos trilhos ásperos do meu cérebro para uma frágil folha de papel. E é aí que ela se torna forte. E pode enfrentar o trem desembestado do julgamento alheio ou da indiferença. Tanto faz. Porque é disso que se trata: de ousar, de nascer. E de resistir. Até quando? Não sei. E nem sei se alguém sabe.



Maria Solange Amado Ladeira               25/08/2015

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