Os Luíses

 

Os luíses

Solange Amado

Ela saiu quando lá fora o sol queimava o  asfalto e prometia comer os miolos. Ficou uma hora dentro da sala fechada  ouvindo notícias ruins e quando saiu, desabava o dilúvio universal. Ela é feita assim de surpresas e mudanças, de tempo, de vento. Desventuras, aventuras. Quem está preparado?

Do táxi até a porta de casa, a sombrinha virou do avesso. Papéis e exames molharam. Abriu a porta e a sala era um belo riacho, o quarto idem. Deixara a janela aberta. Pegou um pano e um rodo e toca a enxugar. Se sentiu ridícula. Assim como Clarice Lispector: “eu nunca sou adequada”.Mas é preciso que ensinem. Ela é marcha lenta pra mudanças. Abrir ou fechar as janelas? Nunca que acerta.

Mais cedo, quando desceu o elevador, uma jovem comentava com a amiga: “ela vive passando pano pra ele”. Não sabe exatamente o que é “passar pano” pra alguém: acobertar, puxar o saco? De qualquer maneira, não é boa coisa e é exatamente o que está fazendo agora: passando pano, puxando o saco. É ridículo mesmo. E incomoda.

Daí que uma coisa puxa a outra e ela se vê na grande porta da Sorbonne, aquele elefante amarelo no quinto arrondissement de Paris. Foi o templo Sagrado da sua juventude, o Taj Mahal da Cultura. Ela sonhava em fazer qualquer curso lá, qualquer curso, nem que fosse de passeador de cachorro. Conhecia uma mocinha que havia feito um français qualquer de um mês lá e voltou falando de biquinho pour toujours. Maior charme. De um intelectualismo atroz. Já pensaram?

E no dia em que adentrou o recinto do seu sonho dourado, o tesão já havia se escafedido para sempre, sem biquinho.

E por que passar pano no chão tem a ver com a Sorbonne? Ela explica. Uma coisa chama a outra. A Sorbonne começou a ser construída em 1248, por ordem do Rei Luis (com s) VIII, da França. O monarca era considerado um protetor das artes, da cultura, e entre outras qualidades, a de realizar grande cruzadas para eliminar os infiéis, ou seja, os muçulmanos. Morria gente que não era vida, mas eram guerras santas.

Mas vamos ao piedoso Luis (com s) que mandou construir a Sorbonne e ao mesmo tempo, o Hospício dos Quinze-Vingts. Sabe-se lá porquê uma Universidade e um Hospício ao mesmo tempo. Pode ser pura coincidência. Só isso. Ela não está insinuando nada. Uma coisa puxa a outra.

A cereja do bolo é que, em uma das suas Cruzadas para dizimar os infiéis muçulmanos, lá em terras egípcias, Luis VIII  pegou uma peste e faleceu. O corpo ficou lá em terras egípcias mesmo, mas a França trouxe um dedinho dele, que é guardado com pompas e honras. Uma coisa puxa a outra. E vai daí que o Papa Bonifácio VIII canonizou o monarca. São Luis, Rei de França, padroeiro da Ordem dos Franciscanos seculares.

Então, é isso. Ela acha que o Papa  passou pano pro Luis com S, ou pro pai dele, ou, não se sabe, todos os luíses. Quem concorda ou discorda, se inscreva no canal e dê o seu gostei ou não gostei.

O fato é que aqui no Brasil também já teve um Luiz (com z) que quase virou santo. O Papa se esforçou muito, mas não rolou.

Ao contrário da França, a gente é ruim de Santo. E de caça aos infiéis. Mas de “passar pano” a gente é bom pra caramba. Ela não perde as esperanças.

 

 

Maria Solange Amado Ladeira                           01/12/2021

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