Escritor? Quem há de?
Solange Amado
O sol arrebentando mamona e ela lá, deitada na areia à beira
do corguinho. Pés dentro d’água e cabeça nas nuvens. Cachola formando sombras e
palavras com o fresquinho da água. Formigas fazendo meandros na areia e no cérebro.
Comichões nas ideias.
“Essa menina vive no
mundo da lua!” Nunca voltava pra casa na hora marcada. As chineladas doíam. Mas
nem de longe tinham a força das histórias que sua cabeça formava na beira do
rio. Caraminholas. Era como sua mãe chamava essa esquisitice.
Talvez fosse lelé da cuca. Não se sabe. O certo é que nunca
se curou. Ela não sabia escrever as letras, mas já formava palavras na
imaginação. Inventava frases. Nunca em fila indiana. Era uma coisa assim meio desarrumada, mesmo
depois que aprendeu que se não arrumasse as letras numa certa ordem, tudo
careceria de sentido. Porque as pessoas são curtas de imaginação. Tudo tem que
ter ponto, vírgula, travessão, pontilhão, pinguela, que vão do ponto A ao ponto
B.
Mesmo depois que percebeu isso, gostava da beira do rio e do
mundo da lua. “Terra chamando!”. A comida na mesa. Era hora de organizar a
imaginação. Aprendeu que “o mundo da lua” em algumas pessoas se chama
criatividade. Não deixa de ser uma chance.
Palavra solta pelo mundo é que nem inconsciente a céu aberto.
Esse último dá hospício na certa. A palavra solta pode desaguar num escritor. Se
a gente vestir uma fatiota nela. Ainda dá pedal.
Ela tem pensado nisso. Talvez. Não precisa jogar água fervendo no
formigueiro e desbaratinar as formigas e nem que elas precisem estar dispostas
numa fileira rígida onde tudo se encaixe. A gente pode avacalhar a procissão.
Nem precisa necessariamente ser do ponto A ao ponto B em linha reta. Drummond
tropeçou numa pedra no meio do caminho. Virou poeta.
E ela deu de pensar: se “trupicou” e não caiu e virou poeta,
a imaginação troncha dela pode torná-la uma escritora. Chi lo sà? Vez em quando
seu inconsciente raspa na trave. Ela balança, mas segura a onda. Escreve. Quem
sabe seja isso o que faz um escritor? Mesmo que se perca em caraminholas à
beira do rio, ele leva umas chineladas e a dor o mantém nos trilhos.
Ideia é assim, meio dor, meio sarna do escritor. E a palavra
é a única coisa que alivia essa sarna. Se deixar ela corre pelada pela folha.
Mas é quando ela desembesta como cavalo
selvagem, que o escritor pega as rédeas.
Escritor, ela pensa, é isso: um domador de cavalos, meio
marginal, meio destrambelhado. Sempre pendurado na ponta da faca. Pode cair da
vida, mas não cai da palavra.
Pode ser. Ela não sabe. Sua opinião não é confiável. Nunca
conseguiu pegar as rédeas. Seu cavalo ainda está desembestado.
Maria Solange Amado Ladeira -08/03/2021
www.versiprosear.blogspot.com.br
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