Empoderamento
Solange Amado
Ela acordou com a macaca. Pelo menos com a macaca doméstica.
Verdade que não era sua praia, mas na véspera, o tal do “Dia Internacional da
Mulher” só faltou lhe dar calo nas orelhas de tanto escutar sobre o “empoderamento”
feminino. Mulher que se preze tem de enfrentar desafios. Isso são favas
contadas.
Mas aí a coisa apertou. Nunca foi assim de desafios, ou chegada
a um prêmio Nobel de alguma coisa. Sempre esteve mais pra prêmios “Ignóbeis”.
Amealhou algumas medalhinhas daqui e dalí, mas nada que pudesse lhe valer um
prêmio Nobel. A mais inacreditável e não muito empoderável foi a de Bom
Comportamento, no colégio, aos 13 anos. Esse foi o feito mais estarrecedor na
sua vida de medalhista, não exatamente olímpica.
Então começou a dar tratos à bola. Decidiu que era hora de se
“empoderar”. Nunca nem tentou. Foi levando a vida na base do que vier eu traço,
meio aos trambolhões. A vida empurrava e ela ia.
Presa no recesso do seu lar há um ano, com o bicho papão percorrendo
as ruas e o caminhão “cata véio” ameaçando partir pra ignorância, ela concluiu
que se expor ao “teje preso” de um estado de sítio não era boa estratégia.
Após muito matutar, usando seus parcos neurônios restantes,
ela concluiu que esse “empoderamento feminino” teria de acontecer ali mesmo no
recôndito do seu lar. E é aí que a porca torce o rabo. Esses recursos
domiciliares escassos sempre foram um problema.
OK. Mas é o que temos pra hoje. Ela vai ter de forçar a mão e
caçar essa empreitada, não obstante. A vida não dá, a gente toma. Essa é a
ideia. E ela vai com tudo.
Com a faca nos dentes adentrou a cozinha. Fez um bolo. Pegou
a receita, botou o material todo na bancada da cozinha. Esqueceu o pó Royal e
deixou o quitute tempo demais no forno. Queimou os fundilhos do bolo que não
cresceu. O capítulo do livro tava bom demais pra ser abandonado.
Daí era tarde demais pro delivery. Resolveu fazer um
macarrão. Macarrão é moleza. A amiga lhe disse pelo telefone: “tem de ferver a
água”. Isso não é um parto, é um macarrão. Mas obedeceu. A bem da verdade, não
ficou tão ruim. Um pouco “unidos venceremos”. Não se pode querer demais. Em
compensação a banana com canela ficou impecável. Esse desafio ela venceu.
Desafio maior foi arrumar a lambança da
cozinha.
E aí ela resolveu navegar na internet. Acho que merecia esse
mimo depois de tanto esforço gourmet. E aí a coisa engrossou: o mouse faleceu.
Teve que depor as armas. Precisava de socorro. Foi pro telefone. A cavalaria
americana não podia reunir a tropa de imediato. Era domingo. A tropa
descansava. Deu-se o seguinte diálogo: “ É uma entrada USB?”. Apertou. Ela não
sabia que sigla era essa. “Manda a foto”. Caracas! Ela enrolou o tapete, fez
força, arrastou o móvel pesado e se deparou com uma usina inteira de fios
entrelaçados. Conseguiu uma foto trêmula do próprio indicador segurando um fio
preto entre vários fios pretos. “Tira ele da tomada”.Brincadeira! Na décima
tentativa conseguiu. “Agora põe de novo”.
Uai! Então porque o esforço pra tirar? “Agora veja se o mouse ressuscitou?”
Acreditem se quiser, ele ressuscitou em toda a sua glória!
Não é por nada não. Depois de um macarrão meia boca e um bolo
queimado, ressuscitar um mouse é uma conquista inenarrável. E aí a impressora
se recusou a imprimir. A cavalaria americana continuava empacada no domingo.
Mas no apartamento da frente tem uma funkeira toda tatuada. Lute como uma
menina! Ela conseguiu. E ainda tomaram uma cerveja e comeram uma pizza vencida
pra comemorar. Se duvidar, em breve poderão dispensar a cavalaria americana.
E se querem saber, dá muito trabalho o tal de empoderamento.
Ela vai continuar sendo apenas uma mulher. Já tá de bom tamanho.
Maria Solange Amado Ladeira 19/03/2021
www.versiprosear.blogspot.com.br
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