Procura-se um sonho



Procura-se um sonho
Solange Amado
O mar não é maior do que o seu sonho. É uma suspeita. Quase uma certeza. O sonho, uma vida inteira não deu para alcançar. Não deu nem pra atravessar. O mar, ela já atravessou.
Diante da profundidade e da largueza do sonhar, o mar parece uma pocinha d’água no fundo do quintal. E ela vive vestida com um escafandro, pronta pra mergulhar e botar o pé lá no fundo do seu desejo. Em vão. Seu sonho é um saco sem fundo. De onde ele vem, pra onde ele vai, ela não sabe.
A velha a cutucou na rua, em plena manhã de terça-feira e perguntou: “por favor, a senhora sabe se é nessa rua que tem uma casa com o nome de BU qualquer coisa?” Não é por nada não, a moça pensou, se essa rua fosse minha, certamente eu saberia. Mas o sonho é seu e ela nem sabe se ele é assim como o BU qualquer coisa, quer dizer, se ele está situado em uma rua determinada.
E ela fica ali, batucando na mesma tecla. Com esse BU incompleto, ela não vai a lugar nenhum. O que ela deseja é algo imaterial, inodoro, incolor. Só não é insípido porque é seu e incomoda. Um esqueleto no armário. Mas qual armário? De que casa? De que rua? A vontade é de parar qualquer transeunte e perguntar: “É nessa rua?” E aí passa a responsabilidade para ele. Simples assim.
Talvez seu sonho esteja na Suíça. Lá tudo funciona direitinho. Tem Banco, chocolate e relógio. E neve. Não sabe se seu sonho se daria bem naquele frio. Mas lá, ninguém passou os cinco dedos na sua mochila que ficou um bom par de horas no mesmo banco em que foi esquecida. E tinha uma grana legal dentro. Claro, era um Banco com b minúsculo. Banco com B maiúsculo não é confiável. E nem é pro seu bico.
Então, seu BU qualquer coisa pode estar na Suíça. Mas algo lhe diz que não. Não transferiu nada pra nenhum  banco suíço nos últimos cem anos. Ademais, seu sonho deve ser que nem ela, meio anárquico. Deve detestar coisas muito organizadas. Aquele passo de ganso nazista não faz sua cabeça.  Também é avesso a empurrar andor de algum santo. É ruim de cair em transe! Não é esse o seu sonho. E ela tem um. Como um preguinho no sapato que a cutuca. Em algum lugar ele tem de estar.         
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E ela deu de perder o sono, ficar sem dormir, meditabunda noites sem fim, preocupada com o passar do tempo. Não resta muita areia no seu caminhãozinho. Urge entregar a prova e ela ainda não passou o texto a limpo. Vai dar tempo? E se o sinal tocar e ela ainda estiver no rascunho, sem as respostas certas?
A culpa. Tomou decisões erradas, embarcou em canoas furadas, se ferrou mais vezes do que gostaria. E o sonho sempre indo pro ralo. Aquele sonho que ela não sabe qual.
Às vezes se sente um D. Quixote ridículo de espada em riste, mas nem moinho de vento existe no horizonte.
O corpo já está cansado de andar a esmo. Muito antigamente era fácil. Ela podia se sentar em cima do mundo e comer seu desejo inteirinho numa barra de chocolate. Agora, no máximo, se senta no meio fio. E nem pode balançar as pernas. Só dá pra fazer uma coisinha ou outra. Seu mega sonho, seu desejo para sempre, sua completude garantida não enchem nem o buraco do dente. É coisinha miúda, é lambari pescado daqui e dali. Pra quem é, bacalhau basta. Mas ela ainda espera caviar.  É um risco, e alguns riscos só se pode correr uma vez.  Tem de continuar perguntando, pacientemente. Sem garantias. Sempre. Agora.
Nem Emily Dickinson lhe deu algum refresco quando disse: “o para sempre é composto de agoras.”




 Maria Solange Amado Ladeira    
www.versiprosear.blogspot.com.br




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