Deus é um cara gozador
Solange Amado
Acordo e verifico que enquanto eu estava distraída dormindo,
o novo ano tomou posse de vez e lá vai indo, assim, na calada da noite. O que
me exime de qualquer culpa. Ninguém consultou as bases pra saber qual ano seria
mais simpático. Par ou ímpar? De qualquer maneira, já tá feito.
Abro o meu email e leio que o papel higiênico está em falta
no mercado. Tudo bem. Dá pra entender. Com nossos governantes há anos fazendo
tanta merda, já se podia esperar esse resultado.
De qualquer maneira, ninguém precisa entrar em pânico. O caso
não se aplica ao Brasil, pelo menos por agora. A notícia vem da Venezuela. E o
Maduro (que de tão maduro já tá quase caindo do galho), vem a público e culpa
os governos de direita pela falta do referido papel. Como a besteira não colou,
ele agora se corrigiu: a razão de o papel higiênico estar em falta no país, é
sinal de que o venezuelano está comendo muito bem. Acreditem se quiser!
Bom sinal! 2018 já começa com bastante humor. Melhor do que
isso, só Mao Tse Tung.
Quando li o livro “As filhas sem nome”, a autora Xinran
relata que antes da Revolução Cultural da China, o papel de arroz era um papel
nobre e era destinado aos poetas, que escreviam belos poemas nele. Mao entrou
no pedaço e decidiu que poesia “não engajada” é coisa inútil, coisa de vagabundos,
e intelectuais de direita. Não combinava com os princípios da revolução, assim, deveria servir como papel higiênico
para o proletariado. Antes, teve o cuidado de mudar o nome. Não dele, mas do papel.
Então, os traseiros dos operários chineses passaram a ser acariciados pelo
“papel para resolver escapamentos das massas”, que foi a nova denominação do
papel de arroz, agora, com uma utilidade, digamos, um pouco menos nobre.
É por isso que viver é muito divertido. O febeapá é
infindável. E como diz Paulo Francis, é preciso ter um estomago rabelaisiano
pra aguentar tanta besteira!
E por falar em estomago, leio em um livro que indígenas
venezuelanos deixavam os mortos em redes durante uma semana para que os
líquidos escorressem. Então, usavam o material para produzir um licor mágico.
Não sei os outros, mas já decretei: não tomo licor
venezuelano nem que a vaca tussa.
Enquanto estou matutando nesse febeapá universal, vou fazendo uma seleção dos meus CDs. Carece
um desapego. Escuto Chico, Gilberto Gil e Caetano cantando “Deus dará, Deus
dará”. “Deus é um cara gozador, adora brincadeira, pois pra me botar no mundo,
tinha o mundo inteiro, mas achou muito engraçado me botar cabreiro. Na barriga
da miséria nasci brasileiro”. Vou marcando o ritmo com o pé e cantando junto.
Me esqueço do febeapá, até que minha faxineira se materializa na minha frente,
indignada:
- “Isso é música?”
- “Claro, por que?”
E ela muito séria:
-Mas eles estão usando o santo nome do Senhor em vão!”
- “Como assim?”
- “É pecado dizer que Deus é gozador!”
Será? É matutando sobre isso que pego meu carrinho de feira e
vou me dirigindo ao mercado .
A ofegante epidemia chamada carnaval está a todo vapor à
minha volta. Bando de fantasiados e bêbados passam por mim.
No barzinho da esquina, dois senhores em idade provecta,
pitam seu cigarrinho e tomam sua cerveja. Paro à espera de que abra o sinal
para atravessar a rua.
Nesse momento, passam dois rapazes de mãos dadas, vestidos de
bailarinas, aos arrulhos. O velhos olham e não dizem nada. Ato contínuo, um
outro bando passa saltitante, todos com asinhas de anjo e saiotes brancos,
livres, leves e soltos. Então, um dos idosos, com um arzinho bem matuto, leva o
seu cigarrinho à boca e com o inconfundível e lento sotaque mineiro, diz pro
outro: “Cê vê, né sô! Coitadas das moça. Elas vão pro carnaval pra arrumá um
namorado... É cara (uma pausa e mais uma pitada), num tem não!”
Só me resta elocubrar. Alguma dúvida de que Deus é gozador??
Maria Solange Amado Ladeira -
27/02/18
www.versiprosear.blogspot.com.br
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