Terapia canina



Postado em 17/04/2017
Terapia canina
Solange Amado

Meio da noite. Já que o sono não vem, pego o controle remoto e começo   a     zapear pelos canais da televisão. Encontro um amestrador de cães. O sujeito é chamado pra amansar uma fera, que crava os dentes sem dó nem piedade em gregos e troianos. O  cara adentra o recinto calmamente, com um olhar 45. E quando penso que ele vai virar picadinho e só lhe resta pedir ajuda ao Espírito Santo, ele apela pra Freud.
Toda violência vem do medo e da insegurança, explica o guru dos cães. Hay que ir comendo pelas beiradinhas. Carece um trabalho de muita paciência e “conversa”. Aos poucos, o bicho vai saindo daquela de “hay gobierno, soy contra” e vai perdendo a paranoia. Adota uma atitude mais crítica: talvez não seja tão ruim assim. Coisa bonita de se ver essa terapia canina.
Fico pensando. Talvez o Brasil possa importar esse amestrador de cães. Por aqui anda todo mundo amedrontado a inseguro. A paranoia campeia. E tome rosnados e mordidas, quando não, coisa pior. Estava perdida nessas cogitações, quando o programa acabou. Mas fiquei mais animada. Se tem solução para cachorro bravo, um país perdido e inseguro pode se beneficiar. Talvez funcione. Sem esquecer que sempre que esse país fizer a coisa certa, necessário uma coçada na barriguinha.
De qualquer maneira, essa esperança durou pouco. Paro num programa de auditório. O apresentador anuncia uma cantora – não sei dizer se de funk, hip hop, rap, não sei distinguir uma coisa da outra – que é o hit do momento. O auditório irrompe em assobios e aplausos e eu me sinto humilhada por essa falha no meu currículo: nunca ouvi falar na dita cuja. E ela aparece. Shortinhos bem curtinhos, meias brilhantes e muito furadas, cabelos em mil trancinhas multicoloridas, saltos altíssimos e beijinhos no coração. O conjunto ataca uma cacofonia qualquer, a jovem se debate: “Hello! Shibum! Shibum! Rá! Rô!  Não sei como, o auditório aprende essa letra dificílima, solta a voz e também se sacode fazendo coro. De repente, do nada, o surto acaba como começou. Ela se senta e o apresentador inicia o interrogatório de praxe: como foi a sua infância, de onde você veio, etc. oncotô, que co sô, pron co vô, aquelas coisas.
E aí, o cara resolveu perguntar: como você era como estudante? A moça mastigou uma trancinha, deu um largo sorriso e respondeu: “Fui eleita a pior aluna do colégio. Ganhei até um troféu!” Aplausos demorados do auditório.
E minha esperança foi pro brejo. Num país onde a pessoa se orgulha de ter recebido o troféu da ignorância e se vangloria de ter prescindido da escola para se tornar rica e famosa. Esse país, nem terapia canina dá jeito.
Maria Solange Amado Ladeira               16-04-2017
www.versiprosear.blogspot.com.br








Nenhum comentário:

Postar um comentário