O barraco


Postado em 04/02/17
O Barraco
Solange Amado

Toda araruta tem seu dia de mingau. Foi aí que o mingau desandou e melecou tudo. E ela bem lá, na zona do agrião. Quem diria! Ainda tentou uma saída com alguma dignidade. Ajeitou seu deux pièces de lãzinha branco e preto, botou no ombro sua bolsa Louis Vuitton e ensaiou uma saída estratégica pisando firme. Em vão. Já tinha jogado merda no ventilador.
O pai já dizia que aquela loirinha angelical era uma bomba relógio. De anjo tinha muito pouco. A língua já era meio destrambelhada. E quando lhe negavam alguma coisa, virava um trem desgovernado.Via de regra, era recatada e do lar. Até tímida com seu uniforme de Sacré Coeur de Marie e gestos contidos. Mas o pit Bull despirocado já habitava aquela garotinha mimada, que não podia ouvir um não.
Pulsões sob controle, lá se foi a garotinha desabrochando em mulher. Quinze anos de valsa de Strauss. Faculdade, onde naqueles anos de chumbo, sofreu do que o falecido economista Roberto Campos chamava de “esquizofrenia dos intelectuais de esquerda”, no entender dele, “filhos de Marx num relacionamento adúltero com a coca-cola, ou seja, gostam de três coisas que só pertencem ao capitalismo: liberdade de expressão (nada de censura!), consumismo burguês e belos cachês em moeda forte”.
E nossa garotinha foi em frente. Recepção de casamento para 800 talheres, coluna social, ilha de Caras. E seguiu empunhando firme o discurso de esquerda em sua “opção pelos pobres”. Conhecia alguns de marmita e buzão no vai-e-vem das ruas. E até convivia pacificamente com alguns deles, desde que não a incomodassem  com muitas queixas e mãos estendidas.
Vez em quando, se um “NÃO” atravessasse o seu caminho, o lobo saia de trás da pele de cordeiro, mas madame não precisava despirocar de todo. Era só botar o freguês no lugar, com a frase mágica: “sabe com quem está falando?” O sujeito não sabia, mas um telefonema botava os pingos nos iis. Em 100% dos casos, o cara entendia,  beijava o seu anel e a procissão continuava.
Assim, nessa toada, nossa garota foi galgando o Olimpo do ar refrigerado e da coca-cola. Ergueu o muro da prepotência; claro, com alguns pruridos de generosidade com os subalternos, desde que “conhecessem o seu lugar”.
É. Mas como diria a novelista Janete Clair, não tem jeito, um dia o bolo sola. Naquela tarde, quando quis devolver a geladeira recém comprada, encontrou um muro maior do que o seu. O manjado “sabe com quem está falando?” não conseguiu abrir caminho entre o “não aceitamos devolução de mercadorias”.  E agora, José?
O pai já previa a bomba relógio. Acertou. Baixou um barraco de baile funk. Madame perdeu a compostura, o recato, a dignidade. Baixou o nível. Despirocou legal.
Perdeu o emprego e o rebolado. E tá em bocas de matildes. Inclusive na minha. O bolo solou. Ela vai comer brioche em París. Que agora, a saída é o aeroporto.

Maria Solange Amado Ladeira     -    04/02/2017


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