Solange Amado
Toda araruta tem seu dia de mingau. Foi aí que o mingau
desandou e melecou tudo. E ela bem lá, na zona do agrião. Quem diria! Ainda
tentou uma saída com alguma dignidade. Ajeitou seu deux pièces de lãzinha
branco e preto, botou no ombro sua bolsa Louis Vuitton e ensaiou uma saída
estratégica pisando firme. Em vão. Já tinha jogado merda no ventilador.
O pai já dizia que aquela loirinha angelical era uma bomba
relógio. De anjo tinha muito pouco. A língua já era meio destrambelhada. E
quando lhe negavam alguma coisa, virava um trem desgovernado.Via de regra, era
recatada e do lar. Até tímida com seu uniforme de Sacré Coeur de Marie e gestos
contidos. Mas o pit Bull despirocado já habitava aquela garotinha mimada, que
não podia ouvir um não.
Pulsões sob controle, lá se foi a garotinha desabrochando em
mulher. Quinze anos de valsa de Strauss. Faculdade, onde naqueles anos de
chumbo, sofreu do que o falecido economista Roberto Campos chamava de
“esquizofrenia dos intelectuais de esquerda”, no entender dele, “filhos de Marx
num relacionamento adúltero com a coca-cola, ou seja, gostam de três coisas que
só pertencem ao capitalismo: liberdade de expressão (nada de censura!),
consumismo burguês e belos cachês em moeda forte”.
E nossa garotinha foi em frente. Recepção de casamento para
800 talheres, coluna social, ilha de Caras. E seguiu empunhando firme o
discurso de esquerda em sua “opção pelos pobres”. Conhecia alguns de marmita e
buzão no vai-e-vem das ruas. E até convivia pacificamente com alguns deles,
desde que não a incomodassem com muitas
queixas e mãos estendidas.
Vez em quando, se um “NÃO” atravessasse o seu caminho, o lobo
saia de trás da pele de cordeiro, mas madame não precisava despirocar de todo.
Era só botar o freguês no lugar, com a frase mágica: “sabe com quem está
falando?” O sujeito não sabia, mas um telefonema botava os pingos nos iis. Em
100% dos casos, o cara entendia, beijava
o seu anel e a procissão continuava.
Assim, nessa toada, nossa garota foi galgando o Olimpo do ar
refrigerado e da coca-cola. Ergueu o muro da prepotência; claro, com alguns
pruridos de generosidade com os subalternos, desde que “conhecessem o seu
lugar”.
É. Mas como diria a novelista Janete Clair, não tem jeito, um
dia o bolo sola. Naquela tarde, quando quis devolver a geladeira recém
comprada, encontrou um muro maior do que o seu. O manjado “sabe com quem está
falando?” não conseguiu abrir caminho entre o “não aceitamos devolução de
mercadorias”. E agora, José?
O pai já previa a bomba relógio. Acertou. Baixou um barraco
de baile funk. Madame perdeu a compostura, o recato, a dignidade. Baixou o
nível. Despirocou legal.
Perdeu o emprego e o rebolado. E tá em bocas de matildes.
Inclusive na minha. O bolo solou. Ela vai comer brioche em París. Que agora, a
saída é o aeroporto.
Maria Solange Amado Ladeira - 04/02/2017
www.versiprosear.blogspot.com.br
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