O gosto do outro


O gosto do outro
Solange Amado

Mau gosto é o gosto do outro. Todo mundo sabe disso. Então, no que me diz respeito, meu gosto vai bem obrigado.  Tenho o maior orgulho dele. E vivemos em paz. Mas é claro, reconheço o direito de todo mundo a ter mau gosto. Li há pouco, trecho de um tipo de poema árabe chamado “qsida”, cuja origem vem de antes do islamismo e vem sendo praticado por poetas modernos, lá nas arábias, é claro. Botem reparo na obra prima: “o excremento de pus grudado na testa e lançado da traseira do sofrimento eterno”. A autora do livro, também árabe, é de opinião de que esses versos conseguem um feito e tanto, ou seja, a façanha de não falar de nada.
“Não falar de nada”. Seja o que isso queira dizer, vocês até podem gostar de um poema “qsida”, mas eu não vou convidar vocês pro meu sarau. A estética não bate, digamos assim. Vamos que vocês queiram “lançar seu excremento da traseira do seu sofrimento eterno” bem no meio da minha sala, e eu ainda vou ter de permanecer com cara de paisagem, como manda a boa educação. Tô fora.
Mas de repente, esse poema troncho me deu um álibi. Tenho o maior complexo de alguns poeminhas meia boca que cometo e confesso o pecado da inveja de poetas da pesada. E como não sou boba, guardo os meus no fundo da gaveta. Diante das circunstâncias porém, vou ousar algo da minha lavra.
Sem saída

“Sem saída
Como a vida
Essa tarde modorrenta
Não se assenta
Em nenhuma geografia.
É mais uma folia
De dores
Uma primavera
Sem cores
Um cinza em desalinho.

Sem saída
Essa tarde me invade
Como uma canção que finda,
Como um navio que parte,
Uma lua que se esconde,
Um amor em fuga,
Um bebê que suga
Um seio vazio.”



Mau gosto de quem pensar que isso é pior do que o tal do poema qsida!




Maria Solange Amado Ladeira                       01/11/2016

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