Uma viagem muito particular


Uma viagem muito particular
Solange Amado

Você  me pergunta que lugar é esse que pretendo visitar na minha próxima viagem.
Nem pensar. Não vou pra Pasárgada. Mesmo porque nunca fui amiga do rei. O mais perto que cheguei daí foi ter um amigo com o nome de Rei...naldo. E então? Se todos os caminhos levam a Roma, pode esquecer. Não é pra lá que eu vou. Nem pra Conchinchina. Mas é por aí, uma viagem longa. Posso assegurar que irei além do horizonte. Não é a primeira vez que me transfiro para lá. E não é fácil a viagem, já vou avisando. E para quem pensa em lugares exóticos, recolha a sua imaginação. Tudo muito convencional, mas meu amigo, tão emocionante que chega a doer. Diria que é um lugar de todo mundo, estranho e conhecido ao mesmo tempo. Mas sempre surpreendente. Triste e alegre. Não é um lugar para férias. Nada relaxante. Ao contrário, em constante mutação. E se você me perguntar quanto tempo devo passar lá, eu diria que é impossível prever. Há previsão em dunas de areia? Eu lhe digo que são imprevisíveis, mas não inconsistentes. Elas vão sempre existir aí, como esse lugar longe escolhido por mim. Um estranho familiar.
Desculpe, amigo, não posso levá-lo. Se você acha que posso dividir esse lugar com alguém. Negativo. Ninguém pode me acompanhar. É um caminho solitário. Atravessa todos os oceanos, tempestades, noites de lua, dias de sol, céus estrelados, ventanias e ondas tenebrosas, mas uma vez embarcado, não vale pegar o boné e tirar o time de campo. Não se devolvem as passagens. Mas é daí que vem o seu encanto.
Já vou informando, caso você queira empreender essa viagem, que a bagagem é infinita, mas a única mala permitida é você mesmo, há que levar todos os trecos, troços e tralhas amontoados de outras tantas viagens. Nada pode ficar de fora.
Não se apresse. Uma vez adquirida a passagem, comece a caminhar. Mova-se. A única condução permitida são seus próprios pés, que o levarão certamente, não aonde você espera, mas ao inesperado da dor de existir, da dor de amar, da dor do mal- estar inerente ao humano. E nem por um minuto, meu amigo, pense que, nessa travessia, amar pode protegê-lo desse sofrimento de existir, porque como diz o psicanalista e escritor Juan David Nasio, o paradoxo incontornável do amor é que, mesmo sendo uma condição constitutiva da natureza humana, o amor é premissa insuperável dos nossos sofrimentos. Vai daí, meu amigo, que você já percebeu que o que pretendo é uma viagem interminável ao fundo de mim mesma. Um campo inóspito, fascinante, inseguro, paradoxal. Esse país sem garantias, sem Procon, sem certezas, esse país que se destrói e se constrói diariamente, um esboço de um quadro imperfeito, esse país que dói, dói porque ama, esse país que manca, que falta e por isso cria. Esse país de um não eu, que sou.

Maria Solange Amado Ladeira                           14/08/12
www.versiprosear.blogspot.com.br



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