Sobrenomear


Sobrenomear
Solange Amado

Brabo esse negócio de nome e sobrenome. Ontem meu amigo me contou uma história de nome: quando sua mãe estava grávida de sua irmã, soube que era uma menininha e ficou radiante. Combinou com o marido, que vivia no mundo da lua, que a garotinha se chamaria Mariana. Trato feito, toca ela a fazer roupinhas, enfeites e outras milongas, com as iniciais da menina, e a conversar com o bebê já nomeado, na sua barriga. Tudo bem típico das futuras mamães. Um belo dia, nasceu a Mariana, um bebê lindo e  rosado. Papai radiante vai registrá-lo. Antes porém, comemoração com os amigos. Entre uma birita e outra, vai ao cartório e retorna ao hospital com a certidão. A mãe olha: “O que é isto?” “Uai! Não era Carolina?” Assim nasceu Carolina. De um pai distraído.
Na minha família, essa coisa de nomes é meio complicada. Minha avó materna tinha um gosto espantoso para nomes. Seus filhos foram premiados com nomes que, eu diria eufemisticamente, MUITO originais. Vejamos: minha mãe, a mais velha dos filhos, chamava-se Risoleta. E minha avó gostava tanto desse nome, que quando seu primeiro bebê morreu, repetiu com a segunda. Depois vieram Dermeval e Abeilard. Duas obras primas. Mas a cereja do bolo foi o meu tio Zoroastro, que meu irmão logo apelidou de tio Zôra. Meu tio Zôra era meio complicado, mas fico pensando num bebê gordinho e cor de rosa no berço e alguém pergunta: qual é o nome? Zoroastro. E aí o sujeito vai arrastar essa complicação pela vida afora.
Não parou aí. Tive um primo chamado Rolando. Minha avó era vidrada nesse nome e pretendia coloca-lo num próximo filho se o tivesse, com um acréscimo: Caio Rolando. Caio Rolando Ladeira. Atentem para a encrenca que esse moleque se livrou ao não nascer.
Vai daí que ninguém pensou que eu ia escapar dessa sina familiar.
Quando nasci, meus pais já estavam meio desacorçoados de criança. Já tinham uma menina, gordinha e saudável e um garotinho, não tão gordinho, mas também saudável e bagunceiro. Família completa. Dois é bom. Três é demais. Foi aí que eu dei de vir ao mundo. Abri caminho à força. Ói eu na fita!
Me olhando de banda, meu pai demorou dez dias pra me registrar, e por pirraça colocou um Maria antes: Maria Solange. Só que por descuido, ou porque nos tempos de antanho ninguém se preocupava com isso, esqueceram do sobrenome: o Amado Ladeira. Ninguém reparou nesse lapso. Fui crescendo, estudando, viajando, trabalhando, de maneira desavisada; até votei, que Deus me perdoe. Fiz uma faculdade, fiz a outra e aí fui registrar meu diploma. Epa! Alguém finalmente botou reparo. E recebi bandeira vermelha. Carecia uma averbação à margem do registro pra me sobrenomear. Um trabalhinho a mais, mas ficou tudo santificado. Eu disse santificado? Bom, santificado até eu ter de renovar meu passaporte. Veio a perguntinha básica da polícia federal (vai ver era o japonês!). Que averbação, que em letrinhas minúsculas estava constando que existia na certidão? Pergunta meio tardia porque eu já havia percorrido grande parte da Europa. OK. Tudo bem, a gente sabe que nesse país, as coisas são assim, fora dos esquadros.
Encarreguei minha amiga que mora lá na minha terra, de ir ao Cartório resolver o “imbróglio” e descolar a certidão. Boa amiga, ela marchou para cumprir a tarefa. Surpresa! Minha certidão de nascimento é de antes do dilúvio. O mundo digitalizado ainda nem sonhava em nascer. Alguns livros do meu tamanho foram consultados. Aí começou a encrenca. A tinta preta já estava meio marrom, o papel meio esfarelento. Na base da adivinhação foram abrindo caminho. Até que chegaram ao nome da minha avô paterna: Custódia. Só as duas primeiras letras estavam claras, o resto se perdeu nas brumas do tempo. E agora? CU o que? Consultados os anciãos do templo, alguém se lembrou da D. Custódia. Tudo OK.  E logo apareceu uma encrenca a mais. Meus dois avós apareciam com o mesmo sobrenome: Antônio e Aurélio. Barbosa Dias Ladeira. Seria um lapso? Eles não sabiam. Tive de explicar: meus dois avós eram irmãos. Portanto, eu sou filha e prima dos meus pais, neta e sobrinha dos meus avós, irmã e prima dos meus irmãos e vai por aí que eu não quero lança-los na minha corrente sanguínea de confusões familiares.
Tirante isso, minha avó materna, Francisca, Chiquita para os íntimos, era baronesa. Não exatamente da família real britânica, uma baronesa assim Brastemp, com muito pedigree, mas era. Talvez daí tenha vindo o seu gosto um tanto exótico para nomes, na falta de um Windsor vai de Zoroastro mesmo.
Pensando bem, escapei de me chamar Anne Elisabeth Alice Louise, Princesa Real de Orange. Mas ficou o ANGE. Como dizia a minha mãe. “Pra quem é, bacalhau basta”.



Maria Solange Amado Ladeira                                            21/06/2016

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