Postado em 17/05/2016
Borboleta ou lagarta?
Solange Amado
Ela não era uma metamorfose ambulante. Queria ser, mas não
passara da fase da lagarta. Quando jovem, sofrera uma leve acatisia. Uma
deambulação meio desorientada. Queria virar borboleta e andou se contorcendo
para ver se acelerava o processo. Mas as asas não cresceram. E aí pensou que
não poderia alçar vôos como gostaria.
Continuou deambulando, ora com os dois pés na terra, ora com os dois pés
firmemente plantados no ar. Mostrando sua habilidade de viver como o seu país,
de ponta cabeça.
Já que a falta das asas impõe um problema técnico com relação
à capacidade de alçar vôos, faz-se mister criar estratégias para se mover se
arrastando pelas estradas da vida, como o fazem as lagartas que se prezem.
Então, ela foi pra Faculdade. Lá havia ótimo clima pras
lagartas. Política rasteira, livros bolorentos, cabeças idem, elevadores
estragados, tropas marchando e concurso de cuspe em distancia nos militares.
Habilidade desenvolvida por seus colegas com extrema competência e que faria
inveja a qualquer dos nossos parlamentares. De longe, fariam jus à medalha de
ouro nessa modalidade nas olimpíadas.
Néca. Continuou lagarta. Tentou outra Faculdade, outro curso,
outra aventura. Não virou borboleta, mas também não parou mais de roer
calhamaços. A fome aumentando sempre. Roeu todo o invólucro que a mantinha
presa num mundo previsível. Conseguiu respirar melhor, mas ainda sentia aquele
comichão de voar. Aquela vontade que nunca desaparecia. Estava sempre presente,
enquanto suas inúmeras perninhas percorriam quilômetros de angústias de livros,
de pacientes, de alunos, e de si mesma, abrindo caminho, até não sabia onde.
Tentou uma prótese. Umas asinhas coladas nas costas. Não deu
resultado. O calor descolava aquele arremedo de liberdade. Era tombo certo.
Foi quando se perguntou: “Será que só asas levam à
liberdade?”
Com o tempo, percebeu que lagartas não são tão horríveis
assim, e olhando bem de perto, notou que borboletas são tão frágeis, tão meigas
e bonitinhas. E a última coisa que ela queria era ser meiga e bonitinha. Queria
as alturas. Olhar o mundo de cima, enfrentando desafios, pousar onde lhe desse
na telha.
Aventuras! Sair de dentro de si, borboletando por aí. E como borboletar sem asas?
Um dia ela se cansou de tantas perninhas se arrastando pelo
chão. Pegou caneta e papel e resolveu que aquele seria seu balão, seu
parapente, seu teco teco. Deu tão certo
que até as borboletas meigas e bonitinhas que não sabiam dessa nova modalidade
de voar, foram se chegando de mansinho. Nossa lagarta descobriu que de pés no
chão, pode-se fazer uma viagem e tanto. Descobriu que as asas da imaginação
sobem bem mais alto, são muito mais livres, e são fortes o suficiente para
vencer o vento.
Decididamente acabou embarcando na canoa das palavras, que
pode parecer uma canoa furada, mas é um transatlântico, um trem bala, um jato
potente quando se trata de atravessar um oceano
de coisas a serem ditas; benditas ou malditas. Não importa. Descobriu
que as asas das palavras não tornam ninguém uma borboleta linda, livre e leve,
mas atingem alturas inimagináveis.
E mais, se querem saber, tem borboleta que nunca vai virar
lagarta!
Maria Solange Amado Ladeira 17/05/2016
www.versiprosear.blogspot.com.br
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