Postado em 25/04/2016
Vocabulário démodé
Solange Amado
A radiola tocava um hit dos anos 70, quando ele espiou pra
dentro com cara de poucos amigos, um ar esgruvinhado e mangando daquele som tão
démodé. Meu sangue já começou a ferver alí e quase supitei, mas aguentei firme.
E foi só eu abrir a boca, pro meu jornalista aprendiz começar a soltar suas
pérolas sinistras. A coisa se resumia nisso, segundo o baixotinho janota: meu
vocabulário era algo moribundo, pândego para um jovem e modernoso letrado.
Quando diante de um bolo apetitoso sobre a mesa, fiz a
observação fatídica: “Ôba! Vou me locupletar”, o meliante ironizou: “Mãe, ela
vai pirar na maionese? É isso?” Me senti um tanto macróbia. Ele não sabe que
lido com palavras, e palavras são assim erráticas, nunca se sabe se vão se
encaixar no nosso projeto. Às vezes, Carolina de Sá Leitão se transforma
rapidamente em Caçarolinha de Assar Leitão, quando as palavras vestem um
modelito muito antigo. Porque se trata disso: modelos diferentes.
O problema é que aquele songa monga me botou uma pulga atrás
da orelha, mexeu com meus brios. Fiquei encafifada. Será que o meu vocabulário
está tão macróbio quanto eu? Tá perigando bater as botas sem deixar vestígios?
Então, antes que ele se escafeda, vou me melecar dessas
palavras moribundas, vou buscar nos recônditos da cachola, palavras que possam
regaçar aquele janota ensebado e iletrado, quero que elas flanem assim pela
folha só pra tirar um sarro daquele metido a besta, de cabelo emperiquitado,
com um pega rapaz engomado no alto da cabeça, aquele marmota que não entende
xongas daquele português escorreito e na primeira oportunidade, pincha o bom
vocabulário, como se fosse um rebotalho inútil.
Espero que assim esteja lhe passando uma carraspana supimpa.
Tudo, é claro, sem causar nenhum quiproquó, que não sou de criar um barbicacho,
batendo boca com um esgrouviado que nunca viu pela frente um Dicionário.
Vou chamá-lo numa chincha cultural, digamos assim, e propor
que ele traduza esse babado no seu linguajar modernoso e chinfrin. Ele que se
lambuza de palavras, mas só consegue escrever na própria pele, o que parece ser
uma coqueluche desses novos tempos. Será porque essa geração é meio munheca com
o bom e velho papel? Ou o papel também caiu em desuso, deslocado pelo
tatibitate eletrônico? Esse meliante sarapintado não me parece muito loquaz.
Suas mensagens cheias de letras repetidas kkkkkkkkk, rsrsrsrsrsrs
são apenas maçarocas de letras, das quais não pesco nadinha. Um monte de
lorotas sem nenhum sentido. E quando lhe proponho um texto escrito com palavras
inteiras, sem fds, bjs, cjs. etc. ele se põe a tergiversar de maneira bem
pachorrenta, produzindo uma mixórdia sem sentido. Desaprendeu a escrever, o
meliante.
Fico cabisbaixa. Não é só implicância e saudosismo. Supõe-se
que o jornalista seja um maestro das palavras. O grande maestro tem de lidar
com os melhores músicos, jovens ou velhos, porque a música não é produzida por
ele. Ele a harmoniza. Harmoniza os sons, puros, claros e firmes de instrumentos
de primeira qualidade. Palavras são instrumentos. Da melhor qualidade. Me dá
engulhos ver essa preciosidade nas mãos de um pernóstico cultural que se
contenta com uma merendinha, um convescote, quando pode produzir um jantar
literário de 500 talheres.
É isso. E se querem saber, vou puxar o carro, que já
apoquentei a paciência de vocês, debulhando a minha taciturna indignação. Podem
achar que não passo de uma cagalhota sorumbática, mas sou mesmo é uma viciada
em palavras.
Maria Solange Amado Ladeira 04/11/14
www.versiprosear.blogspot.com.br
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