Segredos


Postado em 23/03/2016
Segredos
Solange Amado

Em algumas famílias é assim. Casamento é uma doença incurável. Até o verbo é o mesmo. Uma vez contraído o matrimonio, uma vez que essa bactéria tenha invadido o sangue dos consortes, eles se obrigam a ser felizes para sempre, por algum decreto não escrito, mas ferozmente respeitado.
Mesmo que os consortes descubram com o decorrer do tempo, que não tiveram tanta sorte assim, e que embarcaram numa canoa furada, mesmo assim, vão ter de afundar juntos.
É claro, existem aqueles casais que não se desviaram do caminho das Indias e não tiveram de enfrentar terras inóspitas. Esses parecem ter chegado , senão ao paraíso, a algum lugar mais próspero. Existem aqueles que se perderam durante a travessia e os que ficaram paralisados nas calmarias, paralisados pelo recolhimento das velas, que se recusam a enfunar, e o tom monocórdio é a característica dessa convivência. Como dois bois de canga vão subindo a ladeira da vida na pasmaceira da tarde, se escorando mutuamente, na tentativa de dividir o peso, o peso da culpa. Sem nenhuma êxito. Não sabem que podem percorrer o caminho sem esse “encosto”.
Não creio que a união dela se enquadre em nenhuma dessas categorias. Depois de um início de feérica paixão, instalou-se uma modorra dominical digna de uma pregação em javanês. Ficaram marcando passo, meio desgovernados, percorrendo aquele labirinto sem saída como dois ratinhos de laboratório. Era de se esperar que aquele reme reme os acomodasse em uma convivência de inimigos cordiais, mas tal não aconteceu.
Não sei quem já disse que o casamento é a única guerra em que a gente dorme com o inimigo. Pois bem, ela passou a dormir com o inimigo desde o momento em que descobriu a traição do seu então e ainda cônjuge. Seria de se esperar que ela botasse a boca no trombone, mas só fez enfiar a viola no saco e guardar o segredo a sete chaves. Descobriu que a loira dolicocéfala merecedora dos cuidados do seu parceiro,  é nada mais nada menos do que a mulher do seu chefe. É isso. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Tirante que o casal é muito próximo, muito amigo: viajam juntos, passeiam juntos, se frequentam e seus filhos frequentam as mesmas escolas. Se a verdade vier à tona, será, além de uma ameaça às leis familiares, uma ameaça ao futuro deles e ao de seus filhos, de vez que, muito contra a vontade e contra o vento, os dois fazem parte daquela triste estatística do “homem dólar” casado com a “mulher do lar”. Ela nunca conseguiu passar além de esposa. E essa dependência, essa limitação a fez o que é hoje: esse conformismo calado e ressentido. Não tem forças para ir contra os valores familiares, tem medo do “imbróglio” que provocaria essa revelação impactante.
No duro no duro mesmo, acho ate que ela advoga em causa própria, porque há um bom par de anos que procura consolo no leito do marido da loira dolicocéfala em questão: o grande chefe. Um segredo puxa o outro. Essa construção mambembe se mantém a duras penas. Continuam a se frequentar. Vão muito a restaurantes. Afinal esse é o momento em que mais se aproximam de uma revelação: quando comem juntos.
Mas vamos e venhamos, um dia ainda ela ainda chuta o balde!



Maria Solange Amado Ladeira               01/04/14

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